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quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Congresso burla decisão do STF e envia verba para municípios de emendas extintas

Foto: Marcelino/Reuters

O Congresso burlou decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) e irrigou suas bases eleitorais com parte da verba que estava reservada para as chamadas emendas de relator, mesmo após a corte ter declarado o fim desse instrumento de negociação política.

Ou seja, em vez de o recurso retornar para os cofres dos ministérios para que esses decidissem a sua destinação sem a interferência dos parlamentares, atendendo assim à determinação do STF, a verba foi direcionada em boa parte para os mesmos fins que haviam sido definidos originalmente pelos parlamentares em suas emendas.

O orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para investimentos dobrou na última semana de 2022, passando de R$ 5,2 bilhões para R$ 10,6 bilhões.

O aumento no caixa ocorreu porque a pasta absorveu parte do dinheiro que, antes do julgamento do Supremo, estava previsto como emenda de relator. Com isso, em apenas três dias, o ministério precisou dar vazão a mais recursos do que nos outros 362 dias do ano.

Planilha obtida pela Folha mostra que, em pelo menos 280 casos, o recurso foi destinado para o mesmo município e a mesma finalidade que estava prevista na emenda de relator.

A manobra foi articulada por líderes do Congresso, mas também beneficiou deputados e senadores de menor influência nas bancadas. Assim, o Congresso conseguiu, nos últimos dias do ano, liberar o dinheiro que estava travado em emendas prometidas para prefeitos.

A liberação da verba foi feita pelo MDR entre os dias 29 e 31 de dezembro e não deixou a digital dos parlamentares que apadrinharam os recursos.

A ação beneficiou parlamentares aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), como o líder do Republicanos, deputado Hugo Motta (PB), o deputado Wellington Roberto (PL-PB) e a deputada Margarete Coelho (PP-PI).

Municípios que são redutos eleitorais do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também foram atendidos com os recursos. Além disso, aliados do ex-presidente da Casa Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos mais influentes na divisão das emendas de relator, entraram na lista.

O Supremo declarou a inconstitucionalidade dessas emendas e determinou que os recursos ainda previstos em RP9 (código para emendas de relator) fossem gastos sem levar em consideração as indicações formuladas pelo relator do Orçamento (quem apresentava as divisões do dinheiro negociadas entre líderes e a cúpula do Congresso).

Parte dos recursos de RP9 então foram transferidos para o caixa de uso discricionário do Desenvolvimento Regional —caberia ao ministro decidir onde aplicar o dinheiro.

Em 26 de dezembro, após a decisão do Supremo, o MDR publicou uma portaria com regras para o uso do orçamento da pasta na reta final do ano. A prefeitura ou governo estadual que tivesse interesse nos recursos poderia enviar um email para o ministério solicitando o aporte.

O próprio MDR escreveu na portaria que era “vedado o atendimento de solicitações de despesas e indicações de beneficiários realizadas por deputados federais, senadores da República, relatores da comissão Mista de Orçamento, independentemente de tal requisição ter sido formulada pelos sistemas formais ou por vias informais”.

Procurada, a assessoria responsável pelo Ministério do Desenvolvimento Regional —desmembrado no governo Lula entre os ministérios das Cidades e da Integração Nacional— não respondeu.

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) tinha R$ 19,2 milhões em emendas de relator aprovadas pela cúpula do Congresso para obras de mobilidade urbana e compra de equipamentos em quatro municípios da Paraíba: Pombal, Patos, Princesa Isabel e Mamanguape.

Mas, por dificuldades orçamentárias e da máquina pública, poucas emendas do Desenvolvimento Regional foram executadas até julho —último mês antes das restrições de anos eleitorais e do início dos sucessivos bloqueios por falta de verba.

Mesmo assim, as cidades indicadas por Motta nas emendas foram beneficiadas pelos recursos que passaram, após a decisão do STF, para uso discricionário do Ministério do Desenvolvimento Regional.

Com a manobra, Pombal, Patos, Princesa Isabel e Mamanguape receberão R$ 16,3 milhões. O dinheiro terá o mesmo objetivo: mobilidade urbana e compra de equipamentos.

Aliada de Lira e do ex-ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a deputada Margarete Coelho (PP-PI) tinha indicado R$ 10,9 milhões para obras viárias em Oeiras, Valença do Piauí, São Gonçalo do Piauí e Demerval Lobão, municípios do Piauí.

Na reta final do ano, essas cidades conseguiram R$ 7,9 milhões com recursos que foram para o MDR após o fim das emendas.

Procurada, a deputada disse que não tem conhecimento da verba liberada aos municípios no fim do ano passado. “Posso assegurar que não houve qualquer orientação ou empenho do nosso mandato para liberação de recursos que correspondam às referidas emendas”, afirmou Coelho.

Cidades que são reduto eleitoral do presidente do Senado foram atendidas em R$ 10,7 milhões nas liberações feitas pelo MDR na última semana de 2022.

Pacheco tinha pedido, via emenda de relator, R$ 15,7 milhões para Guaranésia, Abadia dos Dourados, Itamogi, Passos, Piumhi, Perdigão e Dom Bosco.

Procurado, Pacheco disse que os critérios para o atendimento de demandas foram feitos exclusivamente pelos ministérios.

“A gestão e execução dos recursos antes previstos em RP9 [código das emendas de relator] ficaram sob responsabilidade exclusiva dos ministérios, que adotaram os critérios para atendimento das demandas dos entes federados, inclusive municípios que, provavelmente, possuíam propostas aptas a serem contempladas”, declarou.

Ex-líder do PL, o deputado Wellington Roberto (PB) tinha R$ 500 mil em emendas de relator para obras e compras de equipamentos em Piancó. A cidade conseguiu, no apagar das luzes de 2022, cerca de R$ 480 mil.

O drible no STF também ocorreu em emendas cadastradas pelos chamados usuários externos, uma forma usada pelo Congresso para ocultar o parlamentar que apadrinhou os recursos.

Um exemplo disso é o município de Vitória do Jari, no Amapá, base eleitoral do senador Davi Alcolumbre.

O secretário municipal de Finanças, Duilio Conceição, entrou na lista de autores de emendas no início do ano passado. Ele pediu R$ 10 milhões para uma obra na orla do rio Jari.

A verba não foi liberada como emenda, mas, após a decisão do Supremo, o MDR destinou cerca de R$ 9,5 milhões para a mesma finalidade, na mesma cidade.

Questionado, Conceição disse que “todas as emendas são cadastradas via plataforma +Brasil [usada para fazer os pedidos de recursos] e dado a devida publicidade”.

O STF decidiu que as emendas de relator são inconstitucionais. E mandou que, após a decisão, os recursos restantes fossem gastos sem vinculação com indicações formuladas pelo Congresso. As emendas liberadas de 2020 a 2022 devem ter como identificados os respectivos parlamentares beneficiados.

Parlamentares (ou apadrinhados deles) apresentavam os pedidos de emendas numa plataforma. A distribuição desses recursos, no entanto, continuou privilegiando aliados políticos de Lira, Pacheco e Bolsonaro. Se a emenda fosse atendida, o Congresso publicava a lista de parlamentares beneficiados e as cidades que receberam a verba.

O governo ficou com os recursos que estavam reservados para emendas de relator e não haviam sido usados. O orçamento de ministérios, principalmente do Desenvolvimento Regional, deu um salto. A verba passou a ser de uso exclusivo dos ministros. Mas a pasta continuou destinando dinheiro para obras e projetos que haviam sido solicitados por parlamentares (quando ainda existiam as emendas).

Até 26 de dezembro, a pasta tinha R$ 5,2 bilhões em verba discricionária (para custeio e investimento). Esse valor subiu para R$ 10,6 bilhões em 29 de dezembro após remanejamentos feitos pelo governo diante do fim das emendas.

O Ministério publicou uma portaria em 26 de dezembro com as regras para uso desse dinheiro na reta final do ano. O ato dizia que era proibido atender a pedidos de parlamentares –feitos por sistemas formais ou por vias informais.

Folha de São Paulo


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