Sábado, 15 de fevereiro de 2020
Por mais específica que seja, qualquer lei penal ou processual penal, que o Congresso venha votar e aprovar estabelecendo, ainda que de forma clara, nítida, precisa e sem a mínima dúvida de hermenêutica (interpretação), que após a condenação em segunda instância o condenado deverá ser recolhido ao cárcere — caso a pena imposta seja de encarceramento e não outra —-, tal lei, se votada e aprovada pelo Congresso baterá de frente com a Constituição Federal. E o plenário do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez vai declarar a nova lei inconstitucional.
Isto porque o artigo 5º, da Carta da República, e que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais e Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, no seu inciso LVII é imperativo e cogente ao dispor:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Para que a prisão, após condenação penal em segunda instância, não volte a ser considerada pelo STF inconstitucional, seria preciso, então, a aprovação pelo Legislativo, de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), que retirasse da Carta aquele dispositivo. Ou que o mesmo fosse mantido, mas com outra redação, a fim de possibilitar a prisão após condenação pela segunda instância.
Como está, lei infraconstitucional que dispuser em sentido contrário será considerada violadora da Constituição Federal, ao menos enquanto o STF estiver com a atual composição de seus 11 ministros.
E tem mais: a questão não é tão simples assim e que possa ser resolvida com uma PEC. Explica-se: o parágrafo 4º, inciso IV, do artigo 60 da Constituição Federal diz que:
“não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias fundamentais”.
Aí está um ponto que vai suscitar conflitantes debates. Indaga-se: se o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal for excluído da Carta, ou tiver sua redação alterada, estaria o Congresso acabando ou dando nova redação à norma pétrea, que é aquela que não pode ser modificada pelo Poder Constituinte Derivado?
Aquele verbo “abolir”, que está no enunciado do parágrafo 4º do artigo 60 da CF, estaria sendo alcançado por uma exclusão ou mesmo nova redação do inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal?
A princípio, não. Porque não se estaria abolindo uma das muitas normas pétreas, que estão elencadas no Título II, Capítulo I da Carta da República e que são “os direitos e garantias individuais”, dentre os quais a culpa de um condenado só se proclama após o trânsito em julgado da condenação. Mas eventual alteração neste preciso texto, nesta precisa redação, poderia ser vista e entendida como “abolidora” do princípio da não-culpabilidade enquanto uma condenação criminal não se torne definitiva, isto é, contra qual não se pode mais apresentar recurso, pois este é o fundamento nuclear e central da norma constitucional em tela.
Seja como for, não será a aprovação de uma lei infraconstitucional, ainda que específica e com destinatário certo, que terá o poder de modificar, alterar e, muito menos, de “abolir” o que a Constituição Federal proíbe que seja “abolido”, no todo ou em parte.
Deputados e senadores, se insistirem na votação e aprovação de lei que venha ferir a Constituição, estarão enxugando gelo e perdendo tempo.
Jorge Béja
Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)
Fonte: Jornal da Cidade Online