Sábado, 02 de setembro de 2017
Bruno Santos/Folhapress
Ex-presidente Lula esteve nesta quinta em Ouricuri (PE), na caravana que está fazendo pelo Nordeste
LETÍCIA CASADO
DE BRASÍLIA
O MPF-DF (Ministério Público Federal no Distrito Federal) pediu nesta sexta (1º) a absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do banqueiro André Esteves, dono do BTG, no caso de suposta tentativa de comprar o silêncio do ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró.
Os investigadores concluíram que não há provas de que eles tenham participado do esquema criminoso.
A Procuradoria também recomenda a perda dos benefícios da delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS).
A manifestação consta das alegações finais do Ministério Público na ação penal em que Lula, Esteves, Delcídio e outras quatro pessoas são réus. O processo tramita na Justiça Federal em Brasília.
O caso veio à tona no final de 2015 quando Delcídio, então líder do governo Dilma no Senado, acabou preso após ser gravado numa conversa na qual ofereceu auxílio financeiro para evitar a colaboração premiada de Cerveró. A ideia seria evitar que fossem delatados pelo ex-diretor. Segundo a Procuradoria, eles teriam atuado para comprar por R$ 250 mil o silêncio de Cerveró.
A peça é assinada pelo procurador da República Ivan Marx.
Se Delcídio for condenado neste processo e o juiz aceitar o pedido para desconsiderar os benefícios da delação, o ex-senador poderá ter de cumprir integralmente as penas.
Para o procurador, os benefícios da delação não se aplicam a Delcídio "em razão das omissões de fatos (sonegação da verdade) e das falsas imputações de fatos a terceiros (mentiras)".
"Alternativamente, solicita-se a aplicação parcial de benefícios, considerada a parcial efetividade de sua delação. De qualquer forma, solicita-se que, com a decisão, seja encaminhada cópia da sentença à Procuradoria-Geral da República, para análise em caráter geral sobre a perda de benefícios do colaborador Delcídio", diz Ivan Marx.
Uma eventual anulação dos benefícios não invalidaria o aproveitamento das provas levadas pelo delator, destaca o documento. A rescisão total do acordo cabe à Procuradoria-Geral da República, responsável pela colaboração.
Agora, o juiz Ricardo Leite, de Brasília, vai intimar as defesas, que terão dez dias para apresentar as alegações finais. Depois, vai analisar os autos e decidir sobre o processo.
Conforme antecipou a Folha, as investigações decorrentes da delação de Delcídio que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal) também se deparam com falta de provas.
MENTIRAS
De acordo com o Ministério Público, Delcídio mentiu sobre fatos que levaram à abertura de ação penal contra sete pessoas.
Para o MPF, com exceção de Lula e André Esteves, as outras cinco pessoas devem ser condenadas: o advogado Edson Ribeiro, que defendia Cerveró, o pecuarista José Carlos Bumlai e seu filho Maurício, além de Delcídio e de Diogo Ferreira, seu antigo assessor.
No caso de Diogo Ferreira, que também fechou acordo com a PGR no ano passado, os benefícios decorrentes da colaboração devem ser mantidos, segundo Ivan Marx.
"A colaboração de Diogo, diversamente da de Delcídio, se demonstrou eficaz –auxiliando na elucidação de todos os fatos de que tinha conhecimento– sem aparentes omissões ou inverdades", escreveu Ivan Marx.
"Graças aos esclarecimentos e dados probatórios aportados por Diogo, o MPF logrou comprovar a coautoria nos fatos de Maurício e José Carlos Bumlai, aportando também maiores elementos sobre a atuação de Delcídio e Edson nos crimes investigados."
De acordo com o MPF, as provas coletadas mostraram que Delcídio queria evitar a delação de Cerveró, não Lula.
"O principal era impedir a revelação de que Delcídio recebeu R$ 4 milhões da construtora UTC como propina e que o dinheiro foi usado em caixa dois em sua campanha ao governo do Estado do Mato Grosso", diz o MPF-DF.
Para evitar a revelação, o então advogado de Cerveró, Edson Ribeiro –que também foi preso pela Lava Jato– orientou seu cliente a informar "falsamente que os valores foram destinados à campanha presidencial de Lula" em 2006.
O procurador destaca que o contrato firmado entre Delcídio e a PGR tem uma cláusula na qual a rescisão poderá ser feita caso o delator acuse falsamente outra pessoa ou revele informações inverídicas.
"Conforme comprovado nos autos, Delcídio fez o contato com a família Bumlai (embora diga ter sido ideia do Lula) e depois fez o contato com André Esteves. Ou seja, quem fez tudo foi DELCÍDIO, o maior interessado no silêncio de Cerveró."
CLAUSULA DE DESEMPENHO
Uma das cláusulas do acordo de Delcídio determina que, caso o delator tenha responsabilidade em algum fato que acabe por rescindir o acordo, "o regime da pena passará a ser o que vier a ser fixado em decisão judicial condenatória ou relacionada à unificação de penas, de acordo com os ditames do art. 33 do Código Penal."
De acordo com o procurador, falta ao acordo de delação uma espécie de "cláusula de desempenho" para medir se o benefício combinado com o delator é proporcional ao que ele entregou.
"Dessa forma, o problema presente seria a falta de maiores cláusulas de desempenho no acordo firmado. O prêmio deveria ser analisado caso a caso pelo promotor natural após devidamente considerado o efeito prático da delação", escreveu Ivan Marx nas alegações finais do processo contra Lula.
"No entanto, Delcídio recebeu seu prêmio de imediato, baseado na promessa de uma efetiva colaboração, o que acabou não ocorrendo. A solução apresentada, no entanto, como forma de justiça, seria a mitigação dos benefícios recebidos no presente caso."
OUTRO LADO
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, que defende André Esteves, disse que "a Justiça está sendo feita".
"O Ministério Público, em um parecer técnico e bem fundamentado pede a absolvição do André Esteves no processo onde ele foi acusado de obstrução de Justiça, aquele em que ele foi preso", afirmou Kakay por meio de nota.
O criminalista Antônio Figueiredo Basto, que defende Delcídio e Diogo Ferreira, não retornou o contato feito pela reportagem.
O advogado Conrado de Almeida Prado, que defende José Carlos Bumlai, disse que recebeu "com surpresa e estranhamento" a informação sobre o pedido de condenação do pecuarista, "pois as provas produzidas durante o processo demonstraram sua absoluta inocência".
"Além disso, o próprio Ministério Público reconhece que o ex-senador Delcídio do Amaral é um mentiroso contumaz, tanto assim que opinou pela não aplicação dos benefícios da delação premiada a ele", afirmou Almeida Prado.
O advogado Damian Vilutis, que defende Maurício Bumlai, disse que seu cliente não nega que a entrega de dinheiro tenha sido efetivada, mas que não há vinculo entre o montante e a suposta compra do silêncio de Cerveró.
"Continuamos acreditando na inocência e na absolvição. A principal prova contra o Maurício é a delação do Delcídio. O próprio procurador considera uma delação mentirosa. Vamos demonstrar que é uma delação sem fundamento", afirmou Vilutis.
LULA
Em nota a defesa de Lula diz que:
O pedido de absolvição formulado hoje, 01/09, pelo Ministério Público Federal do Distrito Federal nos autos da Ação Penal nº 0042543-76.2016.401.3400 é justo e reflete a prova da inocência do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi coletada especialmente nos depoimentos de 31 testemunhas. Lula jamais praticou qualquer ato com o objetivo de impedir ou modular a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, ao contrário do que constou da denúncia.
A iniciativa do membro do Ministério Público Federal também confirma o que sempre afirmou a defesa do ex-presidente Lula: a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral na parte que incrimina Lula é uma farsa. O próprio Ministério Público Federal, na peça que pede a absolvição de Lula, faz referência à "grotesca versão de DELCÍDIO", e afirma que, na verdade, "DELCÍDIO estava preocupado apenas com ele mesmo".
Ao pedir a absolvição de Lula, o procurador da República responsável pela ação penal mostra que os membros do MPF devem atuar em busca da verdade dos fatos e não com fins de perseguição política, como lamentavelmente ocorre no âmbito da Força Tarefa da Lava Jato em relação ao ex-presidente Lula.
Diante do pedido de absolvição do titular da ação penal, o único desfecho possível da ação será o reconhecimento da inocência de Lula.
Fonte: Folha de São Paulo