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domingo, 2 de abril de 2023

Decisões de Ricardo Lewandowski no STF derrubam peça por peça a delação da Odebrecht

Domingo, 02 de Abril de 2023

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Passados seis anos, numa surpreendente reviravolta, as principais peças originadas das múltiplas investigações contra a Odebrecht na Lava-Jato começaram a cair, uma a uma, na Justiça, pela caneta de Ricardo Lewandowski, do STF. Nos últimos dezoito meses, o ministro, que está prestes a se aposentar do Supremo, suspendeu nada menos que dezoito processos e determinou o trancamento de outros cinco.

A peça que precipitou o efeito cascata foi uma decisão que beneficiou o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Em agosto de 2020, Cristiano Zanin, advogado do petista e, por coincidência, favorito hoje a ocupar a vaga de Lewandowski no Supremo, acionou o STF. A partir da anulação das provas contra Lula, que depois levou ao encerramento de três processos contra ele, começaram a aportar pedidos a Lewandowski para estender a decisão, de modo a suspender ou enterrar outras ações penais envolvendo material da Odebrecht.

Apesar de processos estarem ruindo por questões formais e probatórias, é inegável que a Odebrecht foi uma grande corruptora, que distribuiu mais de 10 bilhões de reais de propina no Brasil e mais onze países.

arte Lewan

Imagem: reprodução/Veja

No início de 2016, o ex-presidente José Sarney não teve dúvidas quando questionado por um aliado sobre as delações premiadas que estavam prestes a serem detonadas pela Lava-Jato. “Odebrecht vem com uma metralhadora de ponto 100”, resumiu ele, sem saber que estava sendo gravado pelo interlocutor. Àquela altura, a maior empreiteira do país negociava a “delação do fim do mundo”. O inventário da corrupção da Odebrecht envolveu 78 executivos, incluindo Emílio e Marcelo Odebrecht, da família controladora. Na política, acabaram sendo enredados na teia o presidente à época, Michel Temer, e quase todos os outros do período da redemocratização, além de governadores, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e até vereadores. Descobriu-se que as propinas pagas eram contabilizadas em um departamento secreto da companhia e os beneficiários recebiam apelidos (Lula era o “Amigo”, por exemplo). Passados seis anos, numa surpreendente reviravolta, as principais peças originadas das múltiplas investigações começaram a cair, uma a uma, na Justiça, pela caneta de Ricardo Lewandowski, do STF. Nos últimos dezoito meses, o ministro, que está prestes a se aposentar do Supremo, suspendeu nada menos que dezoito processos e determinou o trancamento de outros cinco.

A peça que precipitou o efeito cascata foi uma decisão que beneficiou o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Em agosto de 2020, Cristiano Zanin, advogado do petista e, por coincidência, favorito hoje a ocupar a vaga de Lewandowski no Supremo, acionou o STF insistindo no acesso ao acordo de leniência da Odebrecht, que baseava o processo da Lava-Jato contra Lula no caso da compra, pela empreiteira, de um imóvel para abrigar o Instituto Lula. Após esse pedido, Lewandowski deu ao advogado acesso às mensagens da chamada Vaza-Jato. Diante de chats que indicavam cooperação ilegal entre a força-tarefa de Curitiba e autoridades estrangeiras nas tratativas do acordo da Odebrecht e o manuseio irregular de material, que chegou a ser carregado em sacolas de supermercado pelos procuradores, Lewandowski determinou que as provas do acordo de leniência não poderiam ser usadas contra Lula no processo da sede do instituto. Tomada em junho de 2021, a decisão afetou, sobretudo, os sistemas Drousys e MyWebDay B. Eles geriam o “departamento de operações estruturadas” da Odebrecht, responsável pelos pagamentos de propina. Em fevereiro de 2022, a Segunda Turma do Supremo confirmou a decisão. “Foi um golpe grande na delação como um todo”, diz um ex-advogado da companhia.

A partir da anulação das provas contra Lula, que depois levou ao encerramento de três processos contra ele, começaram a aportar pedidos a Lewandowski para estender a decisão, de modo a suspender ou enterrar outras ações penais envolvendo material da Odebrecht. Diante disso, a Procuradoria-Geral da República tentou reverter o caso, sem sucesso. O órgão alegou que o Supremo estava ampliando ilegalmente o mote do pedido inicial da defesa de Lula, ou seja, acesso ao acordo de leniência da Odebrecht, e passava por cima de instâncias inferiores. A PGR não chegou a defender a validade das provas e rebateu timidamente a afirmação de Lewandowski de que houve tratativas irregulares com autoridades internacionais. “Outros países, como Peru, Equador, Panamá, reputam essas provas plenamente válidas e confiáveis e as usaram contra a corrupção e o suborno de altos funcionários públicos. Com todo respeito ao ministro, o Brasil está desperdiçando a oportunidade de fazer o mesmo”, diz o ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR), que homologou a leniência da Odebrecht com a Lava-Jato.

A lista de políticos que vêm pegando carona na decisão do STF só faz aumentar. Em dezembro, o atual vice-­presidente, Geraldo Alckmin (PSB), teve encerrado um processo em que era réu pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois pelo recebimento de 11,3 milhões de reais da Odebrecht em suas campanhas em 2010 e 2014. O mesmo ocorreu ao ex-­presidente da Fiesp Paulo Skaf, réu a partir de um dos principais relatos da delação da Odebrecht: o jantar no Palácio do Jaburu que reuniu Marcelo Odebrecht e Michel Temer para acertar doações irregulares a candidatos do MDB nas eleições de 2014. Candidato ao governo paulista naquele ano, Skaf foi acusado de receber 5,1 milhões de reais em caixa dois da empreiteira, selados no aperto de mãos entre Marcelo e Temer, como o empresário relatou na delação.

Outros políticos tiveram processos suspensos, como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, os ex-ministros Antonio Palocci e Paulo Bernardo, o ex-senador Edison Lobão e o diretor do Instituto Lula Paulo Okamotto. Diante da iminente aposentadoria de Lewandowski, ocorre agora uma verdadeira corrida ao seu guichê, onde há uma fila com mais de vinte nomes pedindo a mesma coisa, entre os quais os ex-governadores Sérgio Cabral (RJ), Anthony Garotinho (RJ) e Beto Richa (PR), o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-vice-presidente do Equador Jorge Glas. Nos bastidores da disputa pela vaga do STF, há até uma movimentação de diversos políticos para que Cristiano Zanin, autor da ação original, não seja indicado para a cadeira de Lewandowski, justamente porque deveria se declarar impedido de julgar os novos casos, que seriam então sorteados para outro ministro.

Apesar da anulação das provas dos “sistemas da propina” da Odebrecht causar a sucessão de decisões de Lewandowski, delatores, advogados, integrantes da empresa e especialistas que acompanham a situação avaliam reservadamente que, embora enfraqueça probatoriamente os relatos, não há brecha para que o grupo tenha seu acordo de leniência afetado negativamente — a companhia diz que ratifica a “robustez de seus acordos de leniência”. Essas avaliações levam em conta o fato de que as falhas apontadas pelo STF ocorreram não por culpa da organização, mas, sim, por imperícias e lambanças da Lava-Jato. Por outro lado, há entre alguns delatores e advogados quem veja margem para que, com base no entendimento de Lewandowski, sejam pedidas anulações dos processos em relação a eles e, sem condenações, seja possível buscar reaver suas multas, pagas pela companhia. “Se eu tivesse a certeza de que a multa voltaria para mim, certamente buscaria a Justiça”, diz um delator.

Embora as decisões de Lewan­dowski sejam o principal motor para o desmonte das peças da “delação do fim do mundo”, houve também acusações em que a falta de provas impediu a continuação dos processos. Nesse sentido, a aprovação do pacote anticrime, que veta a abertura de ações penais com base apenas nas palavras de delatores e em provas produzidas unilateralmente por eles, levou a própria PGR a pedir recentemente ao STF a rejeição de denúncias com relatos da Odebrecht contra a deputada Gleisi Hoffmann (PR), presidente do PT, e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) e o arquivamento de um inquérito que investigava o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Em outro caso envolvendo Renan e a empreiteira, a PF pediu em agosto o fim do inquérito por não haver provas, mas a PGR insistiu na investigação. O ministro Gilmar Mendes, do STF, por sua vez, arquivou um processo em que o ex-senador José Serra era réu por supostas propinas da Odebrecht e o plenário do STF está prestes a mandar ao arquivo duas investigações sobre o presidente do PSD, Gilberto Kassab.

Apesar de processos estarem ruindo por questões formais e probatórias, é inegável que a Odebrecht foi uma grande corruptora, que distribuiu mais de 10 bilhões de reais de propina no Brasil e mais onze países. “Embora arquivem os processos, as delações foram feitas com base em fatos reais”, afirma um dos delatores. O acordo foi negociado quando a empresa havia sido abatida pela Lava-Jato, com seu líder, Marcelo Odebrecht, preso depois de tentar combater a operação. Após as revelações, o grupo passou por uma repaginação, mudou de nome para Novonor e suas empresas também foram rebatizadas. A delação detonou de vez brigas familiares, sobretudo entre Marcelo e o pai, Emílio, que chegaram à Justiça com pesadas trocas de acusações. Em meados de 2022, um acordo levou a um cessar-fogo, no qual Marcelo deixou de ser acionista do grupo. O representante da família no conselho de admi­nis­tra­ção atualmente é Maurício Odebrecht, irmão mais novo de Marcelo. Em 2015, ano em que caiu na Lava-Jato, o grupo faturou 132 bilhões de reais e tinha 128 000 funcionários. Em 2019, entrou em recuperação judicial. Em 2021, sua receita foi de 113,5 bilhões de reais e o número de empregados caiu para 25 526.

Na mais surpreendente das reviravoltas do caso, o responsável pelo acordo de leniência, Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil, tornou-se alvo de uma possível delação. Na última segunda 27, Tacla Duran, apontado como operador de propinas da Odebrecht, iniciou tratativas com a PF do Paraná para fazer uma delação premiada na qual promete entregar provas de que teria sido obrigado a pagar um pedágio milionário para não ser preso pela Lava-­Jato, citando Moro e Deltan Dallagnol como responsáveis pela extorsão. O novo juiz da operação, Eduardo Appio, pediu a inclusão de Duran no programa de proteção a testemunhas. Ambos os acusados reagiram de forma indignada, negando as acusações. Em nota, Moro chamou o candidato a delator de “criminoso confesso e destituído de credibilidade”. No Rio de Janeiro, o juiz Marcelo Bretas, responsável pela versão fluminense da Lava-Jato, foi recentemente afastado do cargo e não param de surgir novas denúncias contra ele (veja a reportagem na pág. 42). Com isso, o saldo recente da luta contra a corrupção no país parece cada vez mais perturbador: a mais vistosa operação do gênero quase quebrou a maior construtora do Brasil, os “mocinhos” na luta contra o crime estão tendo agora de prestar contas à Justiça, os executivos que pagaram propinas escaparam das grades confessando as negociatas e, pelo andar da carruagem, os corruptos podem também sair quase ilesos do escândalo, depois de terem sido alvejados pelo tiroteio da metralhadora de ponto 100 vislumbrada por Sarney.

Veja

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