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domingo, 9 de julho de 2017

Seu Dinho: a filosofia, o bar e a poesia



 Domingo, 0  0 comentários Bar, Martins RN, Seu Dinho


“Sou realista das minhas interpretações”.
Diz-se que a genialidade não se explica. Quem olha o franzino homem, aos 77 anos, ao pé do balcão, cercado por garrafas de cachaças, despachando doses esporádicas a um bêbado e outro que adentram no bar da ‘Rua da Levada’, n° 72, no Centro de Martins, desconheça que ali habita um gênio: Raimundo Fernandes dos Santos, Dinho de Zé dos Santos, ou simplesmente; “Seu Dinho”. Hoje, talvez, um dos maiores intelectuais do lugar.
Seu Dinho é proprietário do bar mais bem frequentado nos últimos 40 anos em Martins. Taberna de gente simples, mas também visitado por uma classe intelectual e política da cidade. O bar é o espaço dos “Cururus” (como são chamados os partidários da ‘oposição’ na serra martinense), e também de gente que gosta da boa prosa.
Seu Dinho se orgulha de nunca ter havido uma desavença em seu ambiente. “Aqui só frequenta gente do bem”.
Mas o que diferencia o bar de Seu Dinho não é suas cachaças, nem sua clientela, mas a sua filosofia.
Nas paredes bem pintadas da taberna, frases de sua autoria, rabiscadas a punho. Chama atenção, emoldurada por madeira de espelho, a que lê-se: “Cemitério”.
Em um recanto tranquilo da cidade, povoado de paz e de saudade, se encontra o cemitério. Resumo final de toda a matéria humana, econômica e social. Um dia estaremos lá. Pode ser breve, ou pode demorar, voltaremos para o definitivo lar. Onde Deus há de nos julgar“. Quase suspirando o escritor frisa, “esta é a razão da vida


Seu Dinho lendo seu livro de poesia, memórias e outras filosofias cotidianas – foto: Stenio Urbano

O livro rabiscado
Na cidade já é conhecido o fato de um livro rabiscado a punho, mas que o autor ignora as súplicas por uma publicação. “Escrevo apenas uma ‘filosofiasinha rasteira”, balbucia com a humildade que não cabe dentro de sua grandeza.
Por insistência, Seu Dinho nos convida a adentrar em um quarto ao fundos da taberna. Aliatrás das prateleiras e de garrafas que se empilham até o teto, o escritor nos conduz até seus livros, uma radiola, uma cama e em um baú, o qual abre cuidadosamente, puxando um caderno azul, capa dura e páginas amareladas.



Seu Dinho mostrando seu livro rabiscado a mão – Foto: Stenio Urbano

Um manuscrito intocado e não visto até aquela data (05/07/2017). Escrito em caneta bic e datado de 1990, cujo título é sugestivo: “Frases e Poesias diversas de Minha História“. “É apenas um livrosinho acanhado”, diz o escritor sempre usando de frases no diminutivo.
Vários intelectuais da cidade e do Estado, como Sílvio Leite, ex-secretário de turismo do Piauí, já tentaram editá-lo, sem sucesso. Assim como o amigo pessoal e ex-diretor da Fundação José Augusto, a quem o filosofo mantém contato permanente, François Silvestre.
Perguntando se costuma recitar seus poemas e suas filosofias aos seus clientes, diz que acredita que seu principal público (bêbados) não é muito chegado a literatura.
Ainda no quarto, acima na parede, vê-se muitas filosofias: “Deus, um misterioso poder supremo. Criador e transformador da natureza“.
“Não tenho essa beatice por religião. Mas é isso que penso”, explica. “Sou realista das minhas interpretações”.

O filho do primeiro prefeito
Raimundo Fernandes dos Santos não é um sujeito simples, nem dos mais ignorantes. É filho do primeiro prefeito eleito de Martins, José Elinas dos Santos, prefeito nos idos anos de 1929. Estudou o primário e o secundário, o que o diferencia da maioria dos homens de sua idade e de sua época.
“Não tenho lembrança dessa passagem na vida do meu pai, isso porque nasci em 1940 e ele foi eleito em 1929. Passou apenas 1 ano no poder, e foi deposto pelo governo de Getúlio Vargas. Assim como todos os prefeitos da época. Mesmo tendo passado pouco tempo no poder ele quem implantou o recolhimento do lixo nas casas em Martins”, aclara Seu Dinho.
Talvez Seu Dinho se referisse a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu a política do Brasil, dando fim a “República Café com Leite”.
De acordo com o historiador martinense Junior Marcelino, o cargo de Prefeito foi criado no Brasil em agosto de 1926, sendo realizada a primeira eleição para este cargo em setembro de 1928 em Martins. Com o pleito, José Elinas dos Santos assumiu o cargo de primeiro Prefeito em 1º de janeiro de 1929. Porém, teve seu mandato interrompido em virtude do movimento revolucionário de 1930, comandado por Getúlio Vargas. Portanto, José Elinas passou menos de um ano no poder.
Seu Dinho relembra que teve 17 irmãos, sendo 11 mortos ainda crianças. “Naquele tempo as famílias eram grandes, mas a medicina era pouca, e meus irmãos morreram ainda prematuros”, diz.

Devorador de livros
Conhecido com um devorador de livros, Seu Dinho ler desde Machado de Assis a José Lins do Rego, passando por Jorge Amado indo até Bíblia Sagrada, mas confessa não ser beato. Diz não ter preferências e que lê tudo que lhe cai as mãos.


Seu Dinho ler tudo o que lhe cai às mãos – foto: Stenio Urbano

“Atualmente estou lendo um livro que considero importante. Um livro chamado “O Mundo do Futuro”, diz.
O leitor voraz só interrompe suas leituras quando um ‘freguesinho’ chega para beber um copo de pinga.
“Sempre tive vontade de aprender, de ter conhecimento. Aprendi a ler na escola, e fiz o primário e o secundário da época. Fazíamos os exames de admissão, e ingressávamos na escola. Estudei dois anos em Martins e depois fui morar em Brasília”, relembra.

Frases e filosofias
Depois de alguns minutos, Seu Dinho se descontrai e começa a recitar seus vários poemas do livro azul. São frases e ditos filosóficos para alguns atentos ouvintes: dois bêbados, este repórter e o radialista e professor José Nilson, a quem Dinho preza admiração e diz ser grande fã.


Poema Cemitério, emoldurado em uma das paredes do Bar – Foto: Stenio Urbano

Vou recitar uma poesia que coaduna com a política de hoje.
A política é a uma sequência de corrupção, exploração e traição“. — Isso resume a política, mas só que agora chegamos ao ápice da corrupção.
“A vida é companheira da doença e amiga inseparável da morte”.
“Minha religião é minha fé em Deus. Minha política é o meu trabalho, e minha Justiça é o meu direito”, afirma o intelectual..
— Essa aqui é boa”, diz Seu Dinho: “Não tem morte boa, mas tem a boa morte“, diz gargalhando.
” A vida é uma ilusão, só morte traz a realidade“, — Isso não há como escapar.
— Agora aqui tenho uma poesia. “Mulher e flor: Toda flor que desabrocha em seu pleno vigor, é linda e perfumada, e ainda expira muitos amores”. Assim é a mulher, linda e bela, e deve se orgulhar, pois quando chega a idade vai tudo para o ar“.
Felicidade não é o que se tem, mas o que se sente“.
Ao final da matéria, Seu Dinho já dá o braço a torcer sobre uma possível publicação do seu livro. “Seria muito bom que alguém lesse esses escritos também. Que gostassem ou não, mas que fosse conhecido”, sentencia o escritor.
“Eu vivo e paz com a minha filosofia”,
Finaliza o poeta e filosofo da Rua da *Levada.
(Oficialmente a rua se chama *Monsenhor Walfredo Gurgel, mas para efeitos estéticos e poético, preferimos chamar de Rua da Levada, como é mais conhecida em Martins).
Por Stênio Urbano


 Fonte: aserraonline

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