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quarta-feira, 1 de junho de 2022

O cancelamento de ministros

 Quarta, 01 de Junho de 2022

Poucas semanas depois da posse de Bolsonaro já estavam os senhores ministros do STF no desempenho de um “papel contramajoritário” (a expressão é deles mesmos) em “defesa da democracia”. Paradoxo que se mantém até hoje!

O consequente divórcio entre o Supremo e a sociedade, os excessos, as manifestações políticas e politiqueiras, o linguajar militante pressupõem o encastelamento do poder e fazem despencar lomba abaixo o prestígio da corte.

Fora do plano da política, soube-se, agora, da ida a Portugal de duas dúzias de ministros do STJ, desembargadores e juízes para um evento jurídico a ser presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski. Tudo certo, exceto pelo pagamento da conta. Não, leitor, a conta não é sua, ao menos diretamente. A conta, segundo o Estadão, será paga por um banco, empresas de investimento, administradores judiciais e escritórios de advocacia com litígios bilionários pendentes de julgamento pelos convidados.

Não surpreende que especialistas em Direito e Ética vejam nisso óbvio conflito de interesses, ainda que seja só uma viagem com padrão de conforto incomum ao turista brasileiro. Há três dias, os fatos são do conhecimento público e sobre eles cai o silêncio dos inocentes. Parece que o princípio ético superior persiste sendo o “ninguém solta a mão de ninguém”.

Chama a atenção o recente cancelamento do convite feito ao ministro Luiz Fux pela OAB de Bento Gonçalves para uma palestra-jantar na Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) do município. Ao saber do convite a comunidade protestou e os patrocinadores locais recuaram de seu apoio financeiro ao evento. Depois, a CIC recuou e fez o ‘desconvite’ e o ministro recuou da aceitação alegando questões de segurança.

Logo após, na bela Gramado, também gaúcha e também serrana, surge impasse semelhante, ainda não resolvido. Uma Jornada Internacional de Direito anunciou a participação do ministro Dias Toffoli entre os 225 convidados e o conhecido Hotel Serra Azul retirou seu apoio ao evento. O hotel não perguntou, mas pergunto eu: quem quer aprender Direito ouvindo o ministro Toffoli?

Entre resmungos e protestos, penso que tais cancelamentos são reações normais em uma sociedade que percebeu, ao longo de quase quatro anos, a assimetria de suas relações com as instituições da República. Enquanto estas fazem o que bem entendem, a sociedade vai fazendo o que pode.

Foto de Percival Puggina

Percival Puggina

Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Fonte: Jornal da Cidade Online

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