Domingo , 28 de dezembro de 2014

por François Silvestre
Prosa do Domingo, na Coluna Plural do Novo Jornal.
Dizia o professor de Medicina Legal, Milton Ribeiro Dantas, que nós começamos a compreender a vida contando as décadas. E com o passar delas, descíamos a contagem para os anos, meses, semanas e dias.
Lembro ainda dos tempos de criança, quando se queria dizer que alguém estava à beira da morte, usava-se a expressão “está só contando as horas”.
Cada ano começa a contar as horas após a ceia de Natal. E agoniza entre festas, salamaleques, votos, abraços. Há um clima suave de música triste embalada por sinos femininamente sílfides.
É o único período em que a hipocrisia não parece maldosa. Pelo contrário, fica até fantasiada de candura.
O Nazareno certamente não teria tempo suficiente, nestes tempos de agora, nem chibatas disponíveis, para expulsar os vendilhões dos templos. Ou talvez nem o fizesse, pelo simples fato de que esses prédios pomposos, onde se encastelam as igrejas não seriam por ele reconhecidos como a sua edificação sobre a pedra de Pedro.
O Cristo que nós embalamos na manjedoura, aos sinos de Dezembro, para três meses depois o pendurarmos na cruz. Tudo regado a muita festa, comes e bebes; orações decoradas para afugentar medos e labaredas.
Jacques Anatole François Thibault, o popular Anatole France, dizia que as crucificações eram tão comuns naquele tempo, que nem despertavam interesse. Sugerindo que a pompa e circunstância da crucificação de Cristo foi uma invenção posterior. Porém, nem ele, com seu ferino ceticismo, pôde negar que aquela crucificação, específica, produziu a mais profunda influência nas relações da fé humana ao longo do tempo.
O Cristianismo é núcleo e periferia. Vai do belo ao horrendo, da luz às trevas. Depende do tempo e das relações com o poder temporal. Da humanidade plena de um Ângelo Roncalli, o João XXlll, à barbárie do Bispo Torquemada, na inquisição. Os extremos, com infinidades de configurações entre suas pontas.
Certamente o Cristo merece melhores emissários do que os vendedores de milagres, saltimbancos da fé, que infestam a angústia dos nossos tempos.
Mas eu falava da idade dos anos. Cuja adolescência impúbere despede-se ali por Maio e se veste de noivado; depois, a juventude atravessa as fogueiras a comemorar a colheita, nos folguedos de São João. Chega a maturidade e perdura até por meados de Outubro. E aí começa a velhice.
As rugas dos anos são tristes. É por isso que ele morre fazendo festa. Mas a festa não consegue enganar. Por isso a música da despedida é melancólica.
Mesmo assim, e até por isso, brindemos. Cristo está acima de nós. Da nossa fé ou da nossa descrença.
Morrer não é coisa da morte. Não. É coisa da vida! E pra viver é preciso entusiasmo. Os anos morrem entusiasmadamente.
Recorro a Anatole France, para fechar o texto. “Eu prefiro o erro do entusiasmo à indiferença do bom senso”. Té mais.
Fonte: Carlos Santos
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