Quinta, 07 de novembro de 2024
*Por Mario Rosa
Acompanhei nos mínimos detalhes a campanha norte-americana. O que mais me incomodava não eram as falas, políticas e, portanto, exageradas e parciais de ambos os candidatos. Vergonhosa foi a parcialidade e como a mídia norte-americana se transformou no departamento de relações públicas da campanha da candidata democrata, derrotada.
No sábado (2.nov.2024), sabe-se lá de onde, uma pesquisadora de Iowa surgiu com um resultado que colocava Kamala Harris 3 pontos à frente de Donald Trump. Isso virou “notícia” em todos os telejornais. Uma única pesquisa. Fato nacional? Ecoado por toda a mídia? Detalhe: Trump era favorito nesse Estado e seu candidato ao Senado disputava uma vaga estratégica contra um senador democrata.
Na madrugada desta 4ª feira (6.nov.2024): uma lavagem em Iowa. Os 2 republicanos venceram. A pesquisa, descobriu-se, havia sido 3 dias antes de conhecimento dos democratas, que plantaram nos principais canais de televisão, que por sua vez fizeram o papel de comitê de campanha.
Kamala Harris se aliou à filha de Dick Cheney, o poderoso ex-vice-presidente de George W. Bush que os democratas sempre chamaram de “falcão”, por liderar guerras e ser o responsável pela morte de dezenas, centenas de milhares de pessoas, a maioria delas inocentes. Sua filha defendeu sempre as mesmas ideias.
Alguma crítica à Kamala? Imagina!
Trump numa conversa na reta final se referiu a Liz Cheney como “falcão” e disse que queria vê-la com 9 rifles apontados para ela. “Eles são todos falcões de guerra quando estão sentados em Washington, em um belo prédio, dizendo ‘oh vamos enviar 10.000 soldados diretos para a boca do inimigo”. Depois, falou que o pai de Cheney gastou US$ 9 trilhões em guerras e que ele, Trump, não começou nenhuma. Na boca de um democrata, uma afirmação pacifista. Na mídia norte-americana como um todo, Trump ameaçou (!!!) a filha de Cheney de colocá-la na mira de 9 fuzis.
Toda a cobertura foi sórdida. Um comediante falou uma piada estúpida sobre Porto Rico e a mídia inteira colocou a responsabilidade sobre Trump. Ainda compararam o evento no Madison Square Garden (lotado!) a um encontro de nazistas (a comunidade judaica votou em peso no republicano).
Mais? O presidente Bidenchamou os eleitores de Trump de “lixo”. A mídia? Passou pano. O programa 60 minutes fez uma edição que o desmoralizou, retirando uma resposta péssima de Harris e colocando outra no ar. A mídia? Não falou nada. E assim foi. Tudo de Trump era uma ameaça à democracia ou fascista –para ele valia tudo de ruim. Kamala era perfeita, sem erros, sem críticas.
Biden usou e abusou dos abusos de poder, que aqui foram chamados de lawfare. Lá, ganharam o nome de devido processo legal. Nenhum ex-presidente norte-americano foi tão perseguido quanto Trump pela imprensa e pelo governo. E a questão que fica é: sua vitória significa que a democracia mais forte do mundo se fragilizou ou deu mostra de que seus mecanismos são fortes para enfrentar as maiores provações?
Jeff Bezos, controlador do tradicional Washington Post, recentemente apoiou a decisão do jornal de não publicar um editorial a favor de nenhum candidato. Ele disse que a imprensa tradicional cada vez mais fala para si mesma e, por isso, cada vez menos para a sociedade. Sendo essa a razão de estar perdendo sua força e poder.
Não há crítica aqui. Tenho grandes amigos jornalistas. São dedicados e comprometidos com aquilo que entendem ser o mais correto. A questão é que épocas de disrupção fazem com que pessoas e empresas dobrem as apostas por não verem caminhos que ainda não existem.
O caso mais clássico foi o da Kodak, maior fabricante de filmes de fotografia. Controlava o mercado mundial de revelação de fotos. Veio o dilema: com a revolução digital, os filmes de celulóide flexível da Kodak se deixassem de existir o negócio acabaria, a revelação de filmes, a venda de máquinas. Tirar uma foto digital é de graça. Aí, a Kodak dobrou, triplicou, quadruplicou a aposta.
É mais ou menos o que vejo hoje em algumas situações da mídia tradicional. O problema é que a Kodak faliu e todos os jornalistas hoje postam suas fotos de graça em seus celulares. Fica a dica: o que aconteceu neste ano foi a Kodak cobrindo o século 21. Click!
*Mario Rosa, 59 anos, é jornalista, escritor, autor de 5 livros e consultor de comunicação, especializado em gerenciamento de crises. Escreve para o Poder360 quinzenalmente às quintas-feiras.
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