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Este espaço é destinado a publicação de crônicas, sentimentos e pensamentos variados e em constante mutação.
Domingo, 08 de março de 2015
por Hugo Carvalho

A medida que a vida avança, o fim se aproxima, os dias passam a ser contados regressivamente e parecem ser mais apressados do que o normal. Para um velho, que pouco viveu, pouca coisa resta, e do pouco que resta, as muitas memórias acumuladas sempre são o elemento que permite a vida progredir, prosseguir, revigorar. Sobretudo as memórias do(s) amor(s) que nunca morre(m).
Anos se amontoam e muita coisa foi vivida, muita coisa foi perdida, quase nada conquistado das ambições de juventude. Dos planos de grandeza tudo finda em simplicidade, um quase nada do tudo que se pretendia.
A maior riqueza de um velho, além dos cabelos brancos, é a possibilidade de guardar memórias, intactas, límpidas, ilusões irreais de uma realidade já vivida. As memórias dos amores, sobretudo. Estas aparecem tão vívidas que se retorna a viver tudo que elas recobram.
Além dos cabelos característicos da idade que carrego, cultivo uma barba sempre por fazer, não por estética, mas por memória. Certa vez, ao ouvir uma frase, simples, até banal para alguns, decidi, desde então, mantê-la sempre a mostra, com pelos saltando e contornando um rosto que hoje carrega uma expressão pesada, desfigurada pelo tempo que não perdoa e teima em passar levando em seus vagões todo e qualquer indício da juventude de outros tempos, mas que já mostrou a beleza e o vigor de um jovem altivo e cheio de amor. A memória proporcionada por esse acúmulo de pelos na face faz com que ela permaneça intocável, afinal, “não existe nada mais bem feita do que uma barba mal feita”. Ela, a barba, faz recordar certos cheiros, gostos e sabores de uma época que só a boa memória, ainda boa memória, de um velho é capaz de resgatar. Se recordar é viver, as recordações prolongam a agora curta vida de um velho que logo finda.
No mais, após certa idade, ter memórias é um privilégio que muitos com o mesmo tempo vivido não podem dispor. O tempo não degenera só o corpo, mas desgasta a memória. Mantê-la em estado de conservação é uma dádiva, ou um fardo, depende da perspectiva.
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