Quinta, 21 de novembro de de 2024
O ministro Haddad, na sua ânsia por aumentar a carga tributária, publicou a lista completa de todas as empresas que, de alguma forma, se beneficiam de isenções fiscais. Para a surpresa geral da nação, a empresa de Felipe Neto, Play9, estava lá, tendo sido agraciada com mais de R$ 14 milhões em isenção fiscal dentro do Perse – Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos.
Como o próprio nome diz, o programa era emergencial (por conta da pandemia), e tinha como objetivo ajudar as empresas de eventos, pois, obviamente, essas empresas perderam o seu faturamento com o distanciamento social.
Espertamente, a Play9 conseguiu se enquadrar em um dos setores previstos no Perse (produtora de filmes para publicidade) com a ajuda de um escritório de advocacia dos “mais respeitados em direito tributário do Brasil”, conforme a nota oficial da empresa, anexada abaixo. A coisa não deve ter sido simples, pois a demanda teve que ser “aprovada pela justiça”.
O tom pitoresco da nota oficial está na acusação de “tentar associá-lo a questões ideológicas e políticas”, como se Felipe Neto, ele próprio, não fosse extremamente ativo nas redes sociais em “questões ideológicas e políticas”.
Mas vejamos um pouco mais de perto a Play9. Visitando o site (https://tinyurl.com/yc4s6d24), verificamos que a empresa se apresenta como um “ecossistema de desenvolvimento de conteúdo e expansão de audiência para marcas e influenciadores”. Entre suas atividades temos, basicamente, o apoio a influenciadores, elaborando e executando estratégias comerciais. Mesmo que houvesse a produção de conteúdo, o Perse tinha como objetivo ajudar empresas que produziam eventos externos, que envolviam aglomeração de pessoas, como shows, espetáculos e celebrações. Anúncios publicitários continuaram a ser produzidos normalmente durante a pandemia. Portanto, ocorreu um claro abuso de forma, chancelado pela justiça com o prestimoso apoio de um dos mais “respeitados escritórios de direito tributário do Brasil”, que deve ter levado a sua parte sobre os R$ 14 milhões.
O influenciador se defendeu (https://tinyurl.com/mufffty7), afirmando que ele é apenas um sócio minoritário da Play9, e que sua empresa, Netolab, não se beneficiou do Perse. Curioso para saber de onde vem a maior parte de seu faturamento, mas vamos deixar isso para lá. No site da Play9, Felipe Neto aparece como um dos sócios-fundadores, ao lado de João Pedro Paes Leme e Marcus Vinicius Freire.
Pesquisando a estrutura societária da Play9 (https://tinyurl.com/2j3jt9zn), temos a Felipe Neto Participações Ltda (empresa de Felipe Neto), a Alter Content Mídia Ltda (empresa de João Pedro e Marcus Vinicius) e o FIP M4 Ventures como os “sócios representantes” da empresa. Este último entrou na sociedade em dezembro/23 aportando R$ 5 milhões, segundo a CVM (https://tinyurl.com/36ztwsvj). Este FIP tem como único cotista um outro fundo, do qual não fica claro quem são os cotistas pessoas físicas. O que chama a atenção é a estrutura toda, sempre por meio de empresas e fundos de investimentos, típico de um refinado planejamento tributário. Lembrando que dividendos não pagam impostos no Brasil, e todo mundo aqui recebe a sua renda via dividendos não tributados. E o que a empresa deveria pagar de IR, não pagou por conta do Perse.
Na época das Olimpíadas, Felipe Neto tuitou a respeito do imposto sobre os medalhistas olímpicos (https://tinyurl.com/mjhmn39z), afirmando que “impostos são cobrados em quase todos os países, e se alguém ganha muito, tem que pagar mais”. E continua: “se isentam um medalhista, vão isentar também o jogador que recebe 2M por mês”. E conclui, em caixa alta: “TEM QUE ISENTAR O POBRE!”.
A considerar a isenção para a Play9 e toda a estrutura societária da empresa, Felipe Neto deve se considerar um pobre merecedor de isenções. E não estou fazendo piada. Nesse tuíte (https://tinyurl.com/yc5xht9m), Felipe Neto tenta se defender justamente da acusação de ser hipócrita ao criticar o “acúmulo exagerado de capital”, ao dizer que é sim, milionário, mas que isso não é um problema, o problema é ser “BI-lionário”. O texto completo é o seguinte:
“O que que é acúmulo exagerado de capital? Ninguém quer ouvir isso de mim, porque quando você escuta isso de alguém que é milionário (isso não é mistério pra ninguém, não tô falando isso pra me gabar) as pessoas dizem que o milionário tá apenas tentando se livrar de ser criticado. Gente, pesquise o Google qual a diferença entre milionário e bilionário. A crítica sobre acúmulo de riqueza não é sobre quem junta dezenas de milhões de reais, é sobre quem junta bilhões de reais ou dólares. No caso, você tem ideia que cinco brasileiros, cinco pessoas, detém o patrimônio equivalente a 120 milhões de brasileiros? Cinco. Isso é acúmulo exagerado de capital.”
Não sei o que é pior, ele dizer isso em um país com dezenas de milhões de miseráveis, ou recomendar o uso do Google para entender a diferença entre milionário e bilionário...
De qualquer forma, como se vê, não se pode acusar Felipe Neto de hipocrisia. Na visão dele, ele é tão pobre quanto eu ou você e, portanto, merece uma isenção tributária. Pense nisso.
Marcelo Guterman. Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e mestre em Economia e Finanças pelo Insper.
Fonte: Jornal da Cidade Online
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