Domingo, 08 de fevereiro de 2015
Prosa do Domingo, na Coluna Plural do Novo Jornal.
François Silvestre

Depois de muita conversa furada, que é o jeito de abastecer informações sobre assuntos “sérios”, vou tratar hoje de assuntos amenos,”suaves”, que se abastecem com conversa séria.
Até por que a seriedade no mundo de hoje é pra não ser levada a sério.
Aqui na chã da Serra sempre houve, em cada geração, uma quantidade enorme de figuras humanas que deixam marcas do seu rastro nas veredas do seu tempo.
Isso vai de agricultores, papudinhos, comerciantes, doidos, andarilhos, carolas e até autoridades. A geografia humana de cá de cima é um universo riquíssimo nesses figuraços que se distinguem e se diferenciam.
Martins possui algumas características especiais nessa coisa de psicologia coletiva. Tradicionalmente, uma cidade pacata. Porém, quando ocorre algum homicídio aqui é quase sempre de forma extravagante, para dizer o mínimo. Alguns são de arrepiar.
Há poucos minutos, enquanto estava escrevendo este texto, ouço um barulho que parecia a queda de várias folhas de zinco jogadas num lajedo. Era bala. Ocorria um velório, aqui na vizinhança da minha casa, quando um sujeito, ainda não identificado, invadiu a sala onde se velava a morta e disparou vários tiros, matando um parente da defunta. Convenhamos que não seja comum matar alguém num velório. A cena que se formou e perdurou por toda a tarde diz tudo: A falecida no caixão, quase abandonada, e um morto, no chão, varado de balas, à espera dos peritos de Mossoró.
Martins é assim. Estranhamente pacata. Mas voltemos ao tema do texto, após o susto do tiroteio.
Luiz de Lulu, assim chamado, tendo como sobrenome o apelido do seu pai. Eu conheci, ainda criança, seu Lulu. Proprietário de um grande sítio e de uma das mais famosas casas de farinha da região.
Pois bem. Luiz de Lulu herdou a semelhança física e o gênio do pai. Quando bebia, coisa que deixou de fazer há anos, agia diferentemente do comum das pessoas. Bêbado, era profundamente educado. Chamava a todos de “doutô” ou “icelença”. Chegava a ser cerimonioso. Estando sóbrio, como vive hoje, o tratamento é ríspido. “Diga aí, fí duma égua”. É assim que cumprimenta, seja quem for.
Casado há cerca ou mais de meio século, faz mais de vinte anos que não fala com sua mulher. Moram na mesma casa. “Nem um bom dia”, diz ele.
Interrogado por Jaíton, do Mirante Mãe-Guilé, respondeu rispidamente algumas perguntas. “Quem cozinha”? Resposta: “Eu faço minha comida e ela faz a dela”. Pergunta: “Vocês comem juntos”? Resposta: “Cada um come no seu canto”.
Pergunta: “Quem lava a roupa”? Resposta: “Eu deixo lá num canto; ela lava, engoma e deixa no mesmo lugar”. Pergunta: “Quem compra a comida”? Resposta: “Cada qual compra a sua, do que gosta”.
Pergunta: “E de noite, como é”? Resposta: “Pode parar de pergunta; já sei o que você quer saber e isso num é da conta de ninguém”. Té mais.
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