Domingo, 03 de julho de 2016
Por François Silvestre

Na Coluna Plural, do Novo Jornal.
Um país disléxico.
A dislexia é um transtorno de percepção, multidisciplinar, que afeta tanto a orientação quanto o aprendizado. Contudo, o termo ganhou contornos quase que limitados à incapacidade ou dificuldades de leitura.
E por tratar-se de assunto no campo da patologia, em fase de estudos e aprofundamentos, não me é permitido cuidar das suas conceituações na área da ciência. Até por obrigação de honestidade intelectual.
Faço-o, portanto, na seara da literatura. Metaforicamente. Para a triste constatação de que dentre as nossas limitações culturais, o Brasil é também um paciente disléxico.
Acometido da dislexia coletiva. No caso, sem diagnóstico funcional ou orgânico. Não detectado por averiguação neurológica.
A clínica onde se faz esse diagnóstico é de natureza cultural e social. Sem necessidade de ultrassonografia ou outros exames laboratoriais.
O Brasil não lê. Não sabe ler. Não gosta de ler. Não quer aprender a ler. E por não ter leitores, começa a se tornar também um país ágrafo. Sem leitores e sem escritores. Ou com ambos sofrivelmente considerados.
A internet, pra se fazer justiça, abriu um leque à leitura, mas esse gosto não corrigiu a dislexia. Pelo contrário, fez da escritura uma agressão gráfica. Leitor apressado, escritor inculto e língua sofredora.
Tudo no contorno de um ciclo de infinita pobreza cultural, a misturar ou confundir entretenimento com arte e folguedos com cultura.
O assunto me traz à memória um episódio ocorrido em São Paulo, fim dos anos Setenta. O palco foi a Biblioteca Mário de Andrade, na Praça D. José Gaspar, vizinhança da ex-elegante Av. São Luís.
Um encontro de palestras, com nomes de reconhecimento consolidado no mundo literário. No ciclo daquela noite, estavam Menotti Del Picchia, (velhinho, acomodou-se com dificuldade), que fora um dos astros da Semana de Arte Moderna, com seu Juca Mulato. Jorge Andrade, cujas peças “Os Ossos do Barão”, virara novela da Globo e “O Grito”, alvo de polêmica e patrulhamento. Murilo Rubião, precursor do nosso realismo fantástico, e o crítico de literatura Léo Gilson Ribeiro, consagrado no Eixo do Sudeste e na América Latina.
Chamou-me a atenção o relato de Murilo Rubião. Menos por suas narrativas do sobrenatural, incluindo uma experiência própria, e mais pelo desabafo sobre “a dura escritura” de que falara Clarice Lispector.
Murilo Rubião queixou-se de si mesmo pela escolha da atividade que escolhera para “ganhar a vida”.
E explicou, usando como modelos um irmão seu e um amigo de ambos. Um deles construtor e o outro comerciante. “O construtor tem trabalho suave e ganha bem. O comerciante ganha muito e tem vida de folga”.
“Escolhi escrever livros, produto de sobra para consumo escasso. Vivo com dificuldades”. Encerrou Murilo Rubião. Té mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário