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domingo, 25 de agosto de 2019

‘Essa história de que a Amazônia pertence à humanidade é bobagem’, diz Ricardo Salles

Domingo, 25 de Agosto de 2019


Foto: Marcos Corrêa/PRO ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está no olho do furacão que atingiu o Brasil nas últimas semanas, por causa da divulgação de informações preocupantes sobre o desmatamento na Amazônia, e que se intensificou nos últimos dias, impulsionado pela proliferação de queimadas na região. Em entrevista ao Estado, Salles, de 44 anos, fala sobre a repercussão internacional dos dois fenômenos, as críticas à política do governo para a Amazônia e a proposta de conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental.

A questão do desmatamento na Amazônia ganhou uma grande repercussão nacional e internacional e está provocando danos à imagem do País no exterior. Como o senhor vê as críticas à política do governo para a Amazônia?

Nós precisamos ter em mente que durante trinta anos o Brasil seguiu uma agenda ambiental que não soube conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação. A Amazônia é uma região muito rica em recursos naturais, em biodiversidade, mas com uma população muito pobre, um índice de desenvolvimento humano muito baixo. São mais de vinte milhões de brasileiros que vivem na Amazônia e a maioria vive muito mal: sem saúde, sem educação adequada, com índice de saneamento baixíssimo, com problemas enormes de desenvolvimento. Em alguns índices, a situação é pior que a do Nordeste. É por isso que temos de encontrar uma maneira inteligente de tratar a questão, que reconheça a importância da sustentabilidade, da conservação, do cuidado ambiental, mas dê dinamismo econômico em escala e em impacto suficiente para toda aquela população. Não bastam pequenos projetos-piloto, que são interessantes do ponto de vista de incubação de ideias, mas que, ao longo de trinta anos, desde a Constituição de 1988, não conseguiram agregar valor para a população que vive lá.

Como o senhor avalia a repercussão que o desmatamento e as queimadas na Amazônia estão tendo no País e no exterior?

Até certo ponto é natural que, neste momento de mudança de comportamento, de discussão das atividades econômicas da Amazônia, haja essa instabilidade. Há incompreensão de uma parcela do público e sem dúvida alguma parte da repercussão internacional se deve à desinformação. Até porque não bloqueamos nenhuma política pública ou interrompemos nada do que vinha sendo feito até agora para justificar essa mobilização. Mas é preciso levar em conta também que outra parte dessa campanha contra o Brasil vem de entidades ambientalistas, de ONGs que estão descontentes com o fim dos recursos fartos que elas recebiam, porque nós estamos fechando a torneira. Elas vão fomentando essa campanha internacional que não é nada boa para o Brasil. A gente sabe disso. Mas nem tudo que sai lá fora tem respaldo na realidade aqui dentro. Há uma grande diferença entre os fatos e as versões.

Não é só o pessoal das ONGs que está criticando o governo. Até a revista The Economist, que é respeitada em todo o mundo, publicou recentemente uma reportagem de capa sobre o desmatamento na Amazônia.

Tem muita gente séria que tem um entendimento incompleto ou enviesado sobre o que a gente está tentando fazer. A fórmula para lidar com isso é informação. Por isso, estou indo no final de setembro com o presidente a Nova York e Washington. Logo em seguida, vou a alguns países da Europa para fazer esse esclarecimento. Vamos mostrar tudo o que o Brasil já faz e tudo que queremos fazer. Aqueles que tiverem disposição para ouvir e debater certamente vão mudar, em alguma medida, de opinião. Macron quer tirar dividendos políticos da Amazônia, porque não cumpriu as metas de redução de emissões do Acordo de Paris.

O presidente Macron está querendo tirar dividendos políticos da situação sobretudo no momento em que suas próprias políticas ambientais não estão sendo bem-sucedidas, em especial no que se refere ao não cumprimento das metas de redução das emissões de carbono previstas no Acordo de Paris.

Parece que há intenção de ambientalistas do Brasil e do exterior e também de governos de transformar a Amazônia em “patrimônio da humanidade”, de congelar aquilo como uma espécie de “pulmão planetário”. Como o senhor vê essa proposta?

A Amazônia não é pulmão do mundo. Isso já foi dito e reconhecido. A Amazônia tem o seu ciclo fechado. Ela emite o que ela mesma consome. Agora, ela tem um papel importante de regulação hidrológica, das chuvas, a história dos “rios voadores” que irrigam a agricultura no resto do Brasil. Tudo isso é verdade. Então, ela tem uma função importante para a questão climática aqui no Brasil. Ela é um patrimônio brasileiro. Essa história de que pertence à humanidade é uma bobagem. Nós temos soberania sobre a Amazônia. Somos nós que temos de escolher um modelo, que tem de ser viável economicamente, de proteção da nossa floresta. Somos nós que temos de escolher e somos nós que temos de implementar. Todo o cuidado com a Amazônia que inspira atenção do mundo inteiro é bem-vindo, mas a autonomia de fazer isso é da população brasileira.

Um dos fatores que contribuíram para intensificar a percepção negativa em relação ao Brasil foi a demissão do presidente do Inpe, Ricardo Galvão. O governo alegou que os dados de desmatamento divulgados pelo Inpe, que sempre foram uma referência no Brasil e no exterior, não refletiam a realidade e foram usados politicamente. Por que, de repente, os dados do Inpe não servem mais?

Em primeiro lugar, a gente precisa reconhecer que o desmatamento vem aumentando na Amazônia desde 2012 e ganhou maior fôlego desde 2015. Aliás, foi o próprio Ricardo Galvão, agora ex-presidente do Inpe, que disse isso publicamente. Então, o desmatamento não começou nem passou a crescer no governo Bolsonaro, ao contrário do que querem fazer crer alguns canais da imprensa e algumas referências na área ambiental. Em segundo lugar, deve-se considerar que o Inpe trabalha com dois sistemas para mapear o desmatamento. O sistema anual de desmatamento, chamado Prodes, faz um cálculo na virada de julho para agosto a cada ano e compara a situação com o mesmo período do ano anterior. O Prodes deste ano ainda não saiu. O outro sistema do Inpe é o Deter, que faz o chamado alerta de desmatamento. É um aviso de que determinada região está tendo um aumento de desmatamento. Mas o próprio site do Inpe diz com todas as letras que o Deter, cujos dados saem a cada 15 dias, não se presta a mensuração de desmatamento. Se ele não se presta a medir volume de desmatamento, não se presta tampouco a comparar, por exemplo, dados de julho de 2018 com julho de 2019. Quem faz essa comparação temporal é só o Prodes, porque segue critérios e parâmetros que permitem a comparação. O Deter simplesmente diz que uma região está tendo desmatamento. Só isso.

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