Segunda, 02 de dezembro de 2024
Por que digo “ameaçou”? Talvez ele não tenha essa consciência, mas toda vez que existe a “ameaça” de boas notícias, o mercado já precifica essa expectativa. Ou, pelo menos, fica mais esperto na hora de apostar contra. Afinal, não é nada trivial comprar dólar a R$ 6 esperando que vá a R$ 7. É preciso apostar que as coisas vão piorar ainda mais, e a “ameaça” de um outro pacote de corte de gastos serve como um inibidor. Ninguém quer ser pego de calças curtas.
O problema para Haddad é que, a cada anúncio pífio, o “medo” do próximo anúncio diminui. Existe em microeconomia o que chamamos de “preferência revelada”. Não importa o que o consumidor declara formalmente sobre suas preferências, mas as suas decisões concretas é que as revelam. Adaptando ao caso, o governo Lula vai revelando, ato após ato, a sua preferência a respeito do equilíbrio fiscal, e isso vale mais do que os discursos.
O mercado é formado por uma miríade de agentes. No início, sem maiores informações, todos acreditam na preferência declarada do governo. Ou, pelo menos, não está tão convicto do que acha ser uma preferência oculta, porque ela não foi revelada ainda. Antes da posse, Lula tinha consigo um track record de dois governos responsáveis fiscalmente, ainda que, vendo no detalhe, não foi tão responsável assim. Mas estava longe de ser um desastre, como foi o governo da sua sucessora.
No entanto, na medida em que o tempo vai passando, os agentes econômicos vão substituindo a preferência declarada pela preferência revelada, até chegar em um ponto que aqueles que acreditam mais em seus olhos do que nas palavras do governo formam maioria. Neste ponto, discursos deixam de ter efeito. E é nesse contexto que deve ser analisada essa “ameaça” de Haddad. O recado é: olha, antes de apostar contra, saiba que podemos cortar gastos de verdade. O problema é que, na medida em que a preferência do governo já foi revelada, declarações de vontade perdem o seu efeito. O mercado não é homogêneo, há agentes que ainda têm “medo” de o governo fazer algo sério, mas o número de agentes nesse campo é cada vez menor.
Assim, dada a reação dos mercados, é possível que surja outro “pacote de corte de gastos”, que será discutido “muito seriamente” dentro do governo. Mas é bom Haddad estar consciente de que a “paciência marginal” do mercado, adaptando outro conceito microeconômico, é decrescente.
Marcelo Guterman. Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e mestre em Economia e Finanças pelo Insper.
Fonte: Jornal da Cidade Online
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