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domingo, 27 de novembro de 2016

Prosa de Domingo: Ode ao jumento


Domingo, 27 de novembro de 2016

Por François Silvestre
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Não bastasse a crise financeira, econômica, social, política, de costumes ou a maré alta de preconceitos, ainda temos de conviver diariamente com a “inteligência” furibunda dos intolerantes.

Se você disser que José Dirceu foi um ídolo seu na mocidade, mas entregou-se, por delírio do poder, à mais reles e suja das relações como o mesmo poder almejado, que é a corrupção; pode esperar porrada.

Haverá sempre um intolerante petista ou congênere armado com a mais pueril das argumentações para fulminá-lo com virulência verbal, principalmente na internet.

Se você disser que o Poder do Estado constituído, não pode exercer vingança contra quem quer que seja, ou execração pública, mesmo contra o mais nojento dos bandidos, corrupto ou pedófilo, traficante ou sequestrador; pode esperar porrada.

Haverá sempre um hipócrita de plantão arrotando santidade e cobrando sacrifício público contra os impuros. Principalmente na internet.

No meio da serenidade, onde habitam os sensatos, cientes de que ser honesto é uma obrigação de todos, não motivo de festa, e que todos nós, sem exceção, somos frágeis, passíveis de delinquir, fica difícil opinar ante a fúria do moralismo intolerante.

O moralista cristão retira da Bíblia, crônica dos hebreus, povo mercantilista e messiânico, apenas os textos que alimentam sua intolerância. E os há de sobra.

O moralista muçulmano retira do Alcorão, poema em retalhos de um belo poeta e profeta delirante, apenas as estrofes que justificam a violência.

O moralista de esquerda ainda guarda nos alfarrábios da decoreba os mesmos textos repetidos nas passeatas libertárias. Ditos por ele ou ouvido dos ancestrais. Não admite revisão, nem discute argumentos. O maniqueísmo é seu alforje.

O moralista de direita faz da “moral” sua penumbra. E no escuro da intransigência esconde sua ganância, guarda sua sujeira e delicia-se a apontar nos outros os próprios defeitos. Está na outra ponta, a trezentos e sessenta graus, bem próximo do seu inimigo da esquerda.

O que tem o jumento com isso? O jegue, hoje abandonado e esquecido, foi um edificador dos sertões. No seu dorso, em pequenos caixotes de madeira, presos às alças da cangalha, era carregado o material para a feitura dos açudes.

Há uma coisa do jumento que o matuto não venera. O som que ele produz. O relincho. Alto e feio, o sertanejo fez uma onomatopeia da parte final do som, reduzindo o nome para “rincho”.

Uma perfeição fonética. Relinchar, não. Rinchar. E o pobre jegue, que transportou a família do carpinteiro, fugida de Herodes, para que Maria desse à luz o Nazareno, sofre a discriminação de produzir o som mais feio de quantos trinados e mugidos belos produz o sertão.

O intolerante, igual ao jegue, não pensa, não argumenta, não discute. O intolerante rincha.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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