Quarta, 19 de Outubro de 2022
Hoje há quase 1.000 favelas no Rio de Janeiro acomodando centenas de milhares de pessoas. As favelas deixaram de fazer parte do problema de habitação e passaram a fazer parte da solução.
Segundo o IBGE, 6% da população brasileira vivia em favelas em 2010.
As favelas já estão consolidadas como “bairros” do Rio, já fazem parte da paisagem, da cultura, da música, e abrigam pessoas de baixa renda que são – em sua maioria – gente honesta, decente, integrada na economia da cidade. As favelas possuem uma economia vibrante. Isso é um fenômeno universal.
Perguntei para o Celso Athayde da CUFA (Central Única das Favelas) qual seria a maneira politicamente correta de se chamar “favela”. Eu deveria dizer “comunidade” para mostrar que não tenho nenhum tipo de preconceito? Ele me disse: “olha, essa expressão comunidade é coisa do pessoal do asfalto. Sempre foi favela e é assim que eu chamo.”
Seria errado dizer que a população da favela é “marginalizada”. Mas seria igualmente errado achar que a população da favela é formada unicamente por anjos e sambistas.
Nas últimas décadas, a favela passou a ser local de armazenamento e venda de drogas. Cada favela passou a ser dominada por um “chefe”. Os “chefes” do tráfico se organizam em facções e disputam espaço entre si. Isso gera muita violência. Quem viu o filme “Cidade de Deus” sabe do que estou falando.
Cada chefe vira “dono” de um morro e se transforma no gestor, empregador, protetor e ditador daquele espaço público. Os traficantes garantem que os moradores possam ter segurança por meio de concessões sociais e conexões políticas com eles.
Os traficantes prosperam porque conseguem apoio político através de conexões impublicáveis com gente muito influente e poderosa.
Segundo o “Fala Brasil” (R7 Record), o tráfico de drogas movimenta R $19 bilhões no Brasil anualmente. Como é um negócio ilegal e não documentado, suspeito que essa cifra seja maior ainda. O Brasil é o segundo país que mais consome drogas no mundo.
Ou seja, o contraste entre a renda dos traficantes e a renda dos moradores deve ser enorme. O coeficiente Gini, inventado pelo estatístico italiano Corrado Gini em 1912, mede desigualdade de renda. Imagino que o coeficiente Gini de uma favela no Rio deve ser parecido com o de Suriname ou Zâmbia – certamente um contraste muito maior do que o existente no Brasil.
Outro dia vi o candidato presidencial Lula fazer um comício em uma favela no Rio de Janeiro. Esse candidato circulava livremente entre os donos do pedaço. É um candidato que se pronuncia a favor do menino que rouba um telefone celular e contra a polícia – como se roubo fosse uma modalidade de justiça social.
Há algo muito perturbador nisso, assim como é profundamente perturbadora a imagem de meninos portando armamentos pesados servindo ao tráfico de drogas. Esses meninos têm uma vida curta. O tráfico gera violência e carreiras de criminalidade. Os meninos, suas famílias, a cidade e o país sofrem com isso.
Não podemos generalizar a favela como um espaço homogêneo. A favela é um microcosmo dos contrates existentes no país.
Quero uma cidade mais segura e um país mais seguro. Não tenho nada contra o lado festivo, pitoresco e cultural de uma favela. Muito menos contra as famílias decentes que vivem nas favelas e progridem na vida. E menos ainda contra programas sociais como a distribuição de títulos de terra para 400.000 famílias feita pelo atual Presidente.
Mas quando um criminoso condenado pela justiça é solto para concorrer ao cargo máximo da República e faz comício ao lado de gente que ganha a vida com violência, eu fico com a certeza de que esse candidato – se eleito – só vai aumentar a violência.
Eu fico com a certeza de que esse candidato não representa a gente humilde das favelas que trabalha honestamente para ganhar a vida, mas os chefões que lucram milhões com uma atividade ilegal que cria, nutre e propaga a violência.
Jonas Rabinovitch. Arquiteto urbanista com 30 anos de experiência como conselheiro sênior para inovação e gestão pública em uma conhecida organização intergovernamental com sede em Nova York.
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