E o governo Rosalba Ciarlini, mais uma vez, é destaque nacional.
E, de novo, destaque negativo. Esta semana, é a Revista Época que
apresenta matéria sobre o caos nos prinsídios do Rio Grande do Norte.
Devastadora. Confira a matéria na íntegra:
Cenas desumanas mostram como a situação dos presídios do Nordeste está prestes a sair de controle
HUDSON CORREA, DE NATAL, E RAPHAEL GOMIDE
"É muito desumano”, resumiu o ministro Joaquim Barbosa ao inspecionar,
em abril de 2013, a penitenciária estadual de Alcaçuz, localizada a
cerca de 30 quilômetros de Natal, Rio Grande do Norte. Presidente do
Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
Barbosa viu urina escorrendo pelas paredes, sentiu o forte cheiro de
fezes e passou por celas e corredores escuros e sem ventilação. Quase um
ano depois, um novo relatório do CNJ, obtido por ÉPOCA, referente a uma
vistoria feita em dezembro, mostra que o drama observado pelo ministro
continua. Pior ainda, o documento acrescenta novas tintas ao descaso.
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SUPELOTAÇÃO -
Internos no presídio de Alcaçuz. São 800 presos num lugar onde caberiam,
no máximo, 600 (Foto: Carlos Santos\DN\D.A Press) |
As visitas íntimas ocorrem de “forma promíscua” no meio do pavilhão.
Apenas oito agentes penitenciários cuidam diariamente de 800 internos.
Confinados sem atendimento médico, os presos sofrem com doenças
infecciosas, como a tuberculose. O quadro não deixa dúvidas de que, se
nada for feito rapidamente, o Rio Grande do Norte é forte candidato a se
tornar o próximo Maranhão. O Estado potiguar, porém, não é o único
postulante na fila. Em Pernambuco, há unidade prisional com apenas dois
agentes penitenciários para cuidar de 2 mil presos. Na falta de pessoal,
o próprio bandido assume a chave da cadeia e impõe a lei do mais forte,
mandando aplicar até surra.
Esse cenário é o ambiente perfeito para nutrir atitudes monstruosas
como a de Antonio Fernandes de Oliveira, de 29 anos de idade. Conhecido
com Pai Bola, ele age em Alcaçuz sob o efeito do crack. Em novembro de
2009, Pai Bola foi capaz de desferir 120 golpes de faca artesanal numa
vítima que lhe negou o celular. Seis meses antes, matara outro interno
por asfixia, usando um lençol. Dois anos depois, cometeu um crime ainda
mais bárbaro. Decapitou um colega de cela, comeu literalmente seu fígado
e depois espalhou suas vísceras pelas paredes. Mesmo diante de repetida
atrocidade, a direção do presídio permitiu que em 2012 um rapaz se
oferecesse para ler a Bíblia para Pai Bola. Durante a noite, o religioso
foi morto com uma facada no pescoço enquanto dormia. “Me deu vontade”,
respondeu Pai Bola quando questionado sobre o motivo que o levara a
matar o religioso.
>> O que diz o relatório do CNJ que escancarou a barbárie nos presídios do Maranhão
Nem a visita de Barbosa trouxe uma solução rápida para o preso
sanguinário. Somente na semana passada, a Justiça mandou uma
correspondência ao presídio em busca de algum atestado sobre a saúde
mental do assassino. O Ministério Público Estadual pediu que seja
declarada a insanidade dele. As funcionárias do Fórum de Nísia Floresta,
município onde se localiza Alcaçuz, desviam os olhos e viram o rosto ao
folhear os processos de homicídios cometidos por Pai Bola. O juiz
Henrique Baltazar Vilar dos Santos, responsável pelo presídio, é mais
frio e explica a violência na penitenciária. Ele conta que as facas
usadas para matar são feitas com pedaços de ferro extraídos das próprias
celas. Não são compridas o suficiente para atingir um órgão vital nem
muito afiadas. Por isso, são necessários vários golpes para matar. O
assassino geralmente começa o ataque pelo pescoço para deixar a vítima
sem reação. Logo após a inspeção feita por Joaquim Barbosa, o CNJ
elaborou um relatório que enumera 20 assassinatos de presos dentro de
Alcaçuz desde 2007.
A afirmação de que o Rio Grande do Norte pode ser o novo Maranhão
encontra base na comparação entre a situação carcerária nos dois
Estados. Ambos também têm em comum governos poucos eficientes na
aplicação de verbas no sistema penitenciário. Conforme dados da Justiça
do Rio Grande do Norte, a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) prometeu
investir R$ 6 milhões em 2013 na reforma de estabelecimentos penais para
abrir mais 500 vagas, mas aplicou apenas R$ 2 milhões. Roseana Sarney
precisou devolver R$ 22 milhões ao Ministério da Justiça porque deixou
de apresentar projetos que atendiam às exigências técnicas para a
construção de presídios. Na tarde da quinta-feira passada, a diretora do
presídio de Alcaçuz, Dinora Sima Lima Deodato, apontou o dedo para um
saco de cimento e alguns tijolos comprados para reformas no presídio e
que estavam no pátio de entrada da penitenciária – onde 800 internos
vivem num lugar onde caberiam, no máximo, 600. Essa é a providência mais
visível da administração da governadora Rosalba Ciarlini contra o caos
nos estabelecimentos penais e em resposta ao alerta do CNJ.
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RUÍNAS: Inspeção
do ministro Joaquim Barbosa em Alcaçuz (foto acima) e governadora
Rosalba Ciarlini (abaixo) O presídio Potiguar reúne vários elementos de
uma tragédia anunciada (Fotos Tasso Pinheiro - TJRN e Ana Amaral DN\D.A
Press) |
A diretora Dinora se dispôs a mostrar a ÉPOCA que nada ou pouquíssima
coisa mudou desde a visita de Joaquim Barbosa à penitenciária. Mal a
diretora tinha acabado de se levantar da cadeira de seu escritório para
ir ao pavilhão, ela recebeu por telefone uma contraordem da Secretaria
Estadual de Justiça. “Não autorizaram sua entrada”, disse Dinora. A
decisão vinda de cima é política, e nada tem a ver com medidas de
segurança, pois a própria diretora se prontificara a abrir os portões
para a visita da reportagem de ÉPOCA.
As artimanhas dos governantes para maquiar números também influenciam o
caos penitenciário. O atual governo potiguar diz que a governadora
Wilma de Faria (PSB), que comandou o Estado entre 2003 e 2010, criou uma
espécie de “presídio no papel”. Sem nenhuma reforma, Wilma simplesmente
transformou, numa canetada, delegacias da Polícia Civil em centros de
detenção. Atualmente, cerca de 1.430 presos, o que corresponde a 20% da
população carcerária, cumprem penas nesses locais, muitas vezes sem
banho de sol nem segurança contra fugas.
Vários outros Estados do Nordeste enfrentam situações extremas. Entre
eles, Pernambuco, onde houve 98 assassinatos nos presídios entre 2011 e
julho de 2013. Lá, o número de presos quase dobrou, chegando a 29 mil. O
Rio Grande do Norte vem logo em seguida, com 89% de aumento. É provável
que as prisões em massa tenham sido reflexo da explosão de violência na
década passada, quando a alta criminalidade migrou do Sudeste para o
Nordeste. São Paulo e Rio de Janeiro reduziram consideravelmente os
homicídios, ao mesmo tempo que no Nordeste as mortes violentas quase
duplicaram – Maranhão e Bahia multiplicaram por quatro seus índices.
Assim, Alagoas, Piauí, Maranhão, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte
entraram na lista dos dez Estados mais críticos do país. Para o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a elevação de renda
atraiu o tráfico de drogas, trazendo a violência em seu rastro.
Os 88.445 presos do Nordeste registrados pelo Departamento
Penitenciário Nacional (Depen) representam 15% do total de encarcerados
do país, 548 mil. Embora a gestão dos sistemas penitenciários caiba aos
Estados da federação, é atribuição da União formular políticas criminais
e penitenciárias e fomentar a melhoria das condições gerais. O Depen é o
responsável ainda por distribuir aos Estados o Fundo Penitenciário
Nacional (Funpen). A questão é a importância política que o governo
federal está disposto a dar à área, que só tem destaque quando ocorrem
tragédias como a de Pedrinhas, no Maranhão, onde presos foram
decapitados. Em 2013, o Executivo federal só gastou 19% dos R$ 384
milhões do Funpen, ou R$ 73,6 milhões. Os recursos foram contingenciados
para fazer o superavit primário. O Nordeste é a região onde Dilma
Rousseff, proporcionalmente, teve mais votos nas últimas eleições. Mesmo
que a segurança pública seja da alçada estadual, o governo federal
também é responsável pelo atual descalabro.