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quarta-feira, 6 de abril de 2022

Com quem estamos lidando?

Quarta, 06 de Abril de 2022

Em A Arte da Guerra, Sun Tzu diz que se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisará temer o resultado de cem batalhas. A direita brasileira – ou pelo menos a maioria dela – escolheu ignorar obstinadamente o filósofo chinês em tal ensinamento: ela desconhece totalmente a natureza do inimigo e repete a façanha na tentativa de encontrar uma definição própria.

Na aprovação da PEC dos precatórios, iniciativa que abriu espaço no orçamento federal para a implementação do Auxílio Brasil, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) lamentou a posição contrária do PDT e falou que Leonel Brizola e Darcy Ribeiro votariam a favor da proposta. Para ele, havia o entendimento de que a legenda esquerdista defendia os pobres, ao contrário de hoje, pois a mesma não apoiou a PEC.

Não sei se o senador falou isso por convicção sincera ou apenas para fazer bella figura na defesa do projeto governista, mas de qualquer maneira a sentença está equivocada. O fato de a esquerda ter lutado historicamente pelo intervencionismo estatal e oferecê-lo ao eleitorado como única solução para as desigualdades econômicas não significa que esse mesmo ideal não possa ser sacrificado provisoriamente em nome de uma estratégia maior.

Compreender a dialética revolucionária é vital para elucidar os engodos criados propositalmente por nossos adversários.

Quem não se lembra da ‘’Carta aos brasileiros’’ feita pela campanha petista em 2002? Com a intenção de acalmar um mercado aflito pela possibilidade real da vitória de Lula na eleição presidencial daquele ano, o documento tem um significado muito além do simples cumprimento de contratos ou mesmo a manutenção da política econômica do governo anterior. Ali a esquerda brasileira optou por seguir com a economia de mercado visando obter o dinheiro necessário para a etapa seguinte da revolução.

Não é novidade alguma: Lênin implantou a NEP (nova política econômica) para salvar uma economia soviética em frangalhos.

A esquerda utiliza o capitalismo laissez-faire quando é conveniente aos seus planos, mas nunca perde de vista a sua estratégia geral. A própria expansão da economia de mercado carrega consigo o surgimento do lumpemproletariado – um coletivo composto de indivíduos dispostos a destruir a moral vigente –, a nova tropa de choque revolucionária em detrimento da classe trabalhadora. No caso brasileiro, além desse dado da realidade, havia a estratégia do Foro de São Paulo: o Brasil não poderia virar uma ditadura comunista logo de cara, servindo como provedor de recursos financeiros aos vizinhos latino-americanos participantes da coisa. Daí o governo Lula ter dado continuidade ao status quo financeiro com bons resultados, chegando ao ponto do Fórum Econômico Mundial elogiar o ex-presidente por sua ‘’conversão ao capitalismo’’.

Além de fazer a classe empresarial encher as burras, o petismo expandiu o crédito e os programas sociais já existentes, beneficiando a camada mais pobre da população. Claro que esse quadro era enganoso e a derrocada econômica da era Dilma não deixa a menor dúvida, mas tal engenhosidade prova a capacidade da esquerda de conciliar duas atitudes contrárias para o sucesso da sua estratégia de longo prazo.

Comportamento semelhante é facilmente observado em relação ao ativismo judicial. A Lava Jato é um capítulo complexo da nossa história recente, e tratá-la de maneira apaixonada não é um bom caminho para compreender as suas nuances. Parece-me fora de dúvida que seus protagonistas combateram a corrupção e prestaram bons serviços ao país, colocando na cadeia alguns figurões da nossa República. Mas a coisa não foi conduzida da maneira correta, com inúmeros desrespeitos ao devido processo legal. Gambiarras jurídicas que embasaram condenações foram a brecha perfeita para as criaturas do pântano livrarem a cara dos seus amigos corruptos.

Pelo fato de seu maior líder ser atingido, a esquerda brasileira apontou os equívocos cometidos pelo Ministério Público e pelo ex-juiz Sérgio Moro – a maior parte deles está devidamente exposta na Vaza Jato. Além de construir uma narrativa de perseguição política a Lula, as esquerdas reafirmaram a posição histórica de defesa do banditismo como forma de subverter a moral vigente. Lembram do lumpemproletariado?

Os criminosos estão incluídos nessa nova casta revolucionária, o que explica a defesa dos supracitados pelos ícones esquerdistas.

Pois bem, o que temos atualmente de destaque na atuação do Judiciário? O Supremo Tribunal Federal, em especial o ministro Alexandre de Moraes. Suas canetadas à revelia da lei e do devido processo legal transformam o Brasil em um barril de pólvora, com ameaças constantes de rupturas institucionais de maneira irreversível. Fica difícil falar em democracia ou Estado de Direito quando temos a corte constitucional do país abrindo inquéritos de ofício, censurando veículos de imprensa, prendendo pessoas de maneira ilegal e aglutinando atribuições de outros poderes. O único remédio previsto pela lei é o impeachment do magistrado que comete crime de responsabilidade, mas isso é improvável com a atual composição do Senado.

A esquerda brasileira, que tanto apontou ilegalidades e violações ao devido processo legal na Lava Jato, aplaude e apoia desavergonhadamente as ações do ministro Moraes. Não é por mero prazer de ver conservadores presos ou censurados. Para além dessa satisfação mal disfarçada, o peso punitivo do Estado aos opositores é marca registrada da revolução esquerdista. Isso foi observado na Revolução Francesa com o terror jacobino, e também na sua equivalente russa. Os direitistas representam a sociedade imperfeita, excludente e injusta, devendo ser eliminados do caminho para a construção do paraíso terrestre. 

Conhecer a dialética revolucionária é fundamental para entender como a esquerda concilia estratégias diferentes para ‘’bater com as duas mãos’’. Nossos adversários têm essa capacidade, ao contrário de nós. Nada mais sábio que estudar o inimigo para não cair nessas armadilhas macabras. Sun Tzu explica.


Fonte: Jornal da Cidade Online

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