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terça-feira, 19 de março de 2024

ARTIGO: Advogados defendem acordo de não persecução penal

Terça, 19 de março de 2024

Fotos: Cedidas

O acordo de não persecução penal – ANPP, introduzido pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), é um dos institutos jurídicos em matéria criminal mais importante dos últimos tempos.

O ANPP se trata de um mecanismo de solução consensual celebrado entre o Ministério Público (titular da ação penal) e o autor do fato delituoso, que apesar de evitar o cumprimento da pena de prisão do acusado, viabiliza uma resposta penal mais eficaz, uma espécie de “pena alternativa” debatida entre as partes, suficiente para a reparação do dano ao erário (quando é o caso), pagamento de multas e restrições de condutas deliberadas.

A importância do ANPP é ainda maior em crimes contra a administração pública, praticados sem violência física ou grave ameaça, e que na maioria das vezes a simples condenação a pena de prisão não consegue materializar o ressarcimento do dano causado ao dinheiro público. Com o ANPP, verifica-se a oportunidade de ressarcimento dos valores obtidos através da prática delitiva, uma vez que se impõe a devolução do dinheiro como condição do acordo.

São requisitos cumulativos para proposta do Acordo de Não Persecução Penal: a) ter o investigado confessado formal, completa e circunstancialmente a prática do delito; b) a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça; c) a prática de infração penal com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; e d) ser o acordo necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

No que se refere ao momento para propositura do ANPP, a matéria está em repercussão geral no STF no HC 185913 e, apesar de ainda não finalizado, posto que consta um pedido de vista do Min. André Mendonça, o resultado já caminha em favor da aplicação do instituto despenalizador em qualquer etapa do processo antes do trânsito em julgado, inclusive nos feitos existentes antes da promulgação da Lei nº 13.964/2019, bem como pela aplicação de ANPP também aos processos iniciados em data anterior à vigência da referida Lei, mesmo que ausente a confissão do réu até o momento de sua proposição, tendo votado favoravelmente a essa tese os Ministros Gilmar Mendes (Relator), Edson Fachin, Dias Toffoli e Cristiano Zanin, e contrário apenas o Ministro Alexandre de Moraes e a Min. Cármen Lúcia.

O Poder Judiciário está bem próximo de fixar parâmetros jurisprudenciais para a celebração do ANPP, a fim de corrigir distorções e uniformizar o entendimento quanto a este relevante instituto jurídico, permitindo que todos os acusados possam ter o direito de requerê-lo. Debate-se, em regra, a possibilidade de o Ministério Público, titular da ação penal e a quem cabe propor o acordo, quando evidentemente preenchidos todos os requisitos legais, recusar-se, sem fundamentação ou com fundamentos rasos e inócuos, a propositura do acordo.

O legislador, no artigo 28-A do Código de Processo Penal, permitiu uma avaliação discricionária quanto ao oferecimento do acordo. Contudo, não se trata de uma discricionariedade plena, mas, sim, regrada, na qual são estabelecidas as balizas que o parquet deve se vincular ao fundamentar sua negativa, pois, caso contrário, abriria a possibilidade de aplicação do ANPP relegada ao campo da “sorte ou azar”, o que é incompatível com a segurança jurídica necessária de um Estado Democrático de Direito.

Sendo assim, ao estabelecer requisitos claros, o legislador indica que, cumprido todos os critérios legais para propositura do ANPP, a celebração do acordo é o caminho indicado à solução harmoniosa do conflito penal, sendo também, por óbvio, necessário e suficiente para a prevenção e reprovação do crime.

Ora, qual o sentido de, no mesmo Estado, um acusado celebrar ANPP prevendo como condição a reparação integral do dano no Município X e outro acusado pelo mesmo crime, no Município Y, não poder fazer o mesmo, exclusivamente porque o Promotor Natural desta outra comarca tem entendimento diverso? Não faz qualquer sentido!

Portanto, no contexto envolvendo o ANPP, é razoável afirmar que, se o Ministério Público deixa de oferecer o acordo por meio de manifestações não fundamentadas, cabe ao Poder Judiciário, quando provocado para tanto, determinar uma nova análise acerca do oferecimento do ANPP, sem que nela sejam sopesadas as justificativas consideradas inidôneas.

Isso quer dizer que, uma vez preenchidos os requisitos previstos no artigo 28-A do Código de Processo Penal, caso advenha recusa ministerial baseada em fundamentação inidônea, o judiciário pode (e deve) determinar a desconsideração dos então argumentos equivocados e, assim, solicitar nova manifestação ministerial.

É justamente nesse sentido que os tribunais vêm se posicionando, a fim de garantir ao acusado criminal o pleno direito à motivação e fundamentação nos casos de recusa ao oferecimento do ANPP.

Nesse sentido, vale destacar que, no resultado (por ora parcial) do julgamento do HC 185.913/DF (no qual se discute, no Pleno do Supremo, a possibilidade do ANPP em processo que já se encontra em fase recursal, com condenação proferida), os Ministros Gilmar Mendes (Relator), Edson Fachin, Dias Toffoli e Cristiano Zanin votaram para conceder o Habeas Corpus de ofício, com a fixação de algumas teses que regulariam a questão, dentre elas:

“[…] [b] O arguido não tem o direito subjetivo ao Acordo de Não Persecução Penal, mas sim o direito subjetivo à devida motivação e fundamentação quanto à negativa. A recusa ao Acordo de Não Persecução Penal deve ser motivada concretamente, com a indicação tangível dos requisitos objetivos e subjetivos ausentes [ônus argumentativo do legitimado ativo da ação penal], especialmente as circunstâncias que tornam insuficientes à reprovação e prevenção do crime […]”

Portanto, nessa linha argumentativa, não pode o Ministério Público recusar a propositura do ANPP por entender que o acusado merece ser preso; que o acordo é mais favorável ao réu; que o acusado tem que cumprir pena de prisão; ou fazer prevalecer o entendimento pessoal do agente ministerial. Para recusar a propositura do acordo, o Ministério Público deverá declinar fundamento jurídico objetivo, baseado em critérios eminentemente legais, sob pena de o Poder Judiciário não aceitar a recusa.

Por Marcus Barros e Felipe Cortez

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