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segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Com Moro e Bolsonaro, a Lava Jato chega finalmente no Judiciário?

Segunda, 03 de Dezembro de 2018


A jurista Eliana Calmon se notabilizou ao longo de sua carreira como uma crítica contumaz do poder dos pares intocáveis no judiciário. Como corregedora nacional de Justiça, a jurista mandou uma pedrada que incomodou seus colegas ao afirmar que “bandidos de toga” estavam infiltrados no Judiciário.

Por óbvio, Eliana Calmon acabou se tornando uma persona non grata entre os colegas de profissão. Durante o auge dos escândalos de corrupção da Petrobras, que até os dias de hoje ainda mobiliza juízes de diversas instâncias com processos da Operação Lava Jato, Eliana Calmon voltou a tecer críticas pontuais contra seus pares, defendendo a necessidade de apuração da responsabilidade do Judiciário em muitos casos.

Acompanhe abaixo alguns trechos de uma emblemática entrevista de Calmon ao El País.

"Baiana de Salvador – terra natal da empreiteira Odebrecht, bastante criticada pela jurista-, ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo de ministra do Superior Tribunal de Justiça.

Pergunta. Como você avalia a Lava Jato até o momento?

Resposta. A Lava Jato foi um divisor de águas para o país. A partir dela vieram à tona as entranhas do poder brasileiro, e sua relação com a corrupção em todos os níveis de Governo. Mas para que tudo isso fique muito claro, seja passado a limpo de fato, precisa se estender para todos os poderes. Muitos fatos envolvendo o Executivo e o Legislativo vieram à tona, mas o Judiciário ficou na sombra, é o único poder que se safou até agora.

P. Você acha que membros do Judiciário também tiveram um papel no escândalo de corrupção?

R. O que eu acho é o seguinte: a Odebrecht passou mais de 30 anos ganhando praticamente todas as licitações que disputou. Enfrentou diversas empresas concorrentes, muitas com uma expertise semelhante, e derrotou todas. Será que no Judiciário ninguém viu nada? Nenhuma licitação equivocada, um contrato mal feito, que ludibriasse e lesasse a nação? Ninguém viu nada? Por isso eu digo que algo está faltando chegar até este poder. Refiro-me ao Judiciário como um todo, nas três instâncias. Na minha terra, na Bahia, todo mundo sabia que ninguém ganhava nenhuma causa contra a Odebrecht nos tribunais. O que eu questiono é que em todas estas décadas em que a empreiteira atuou como organização criminosa nenhum juiz ou desembargador parece ter visto nada... E até agora nenhum delator mencionou magistrados.

P. Mas não existe um corporativismo no Judiciário que dificultaria processos contra os magistrados?

R. Os juízes exercem atividade jurisdicional para serem isentos. Ponto. É o seguinte: o juiz de primeiro grau é processado perante o próprio tribunal. O de segundo grau é processado pelo Superior Tribunal de Justiça, e os ministros pela Suprema Corte.

P. O juiz Sérgio Moro tem sido muito criticado desde o início da Lava Jato pelo que alguns consideram como sendo um abuso nas prisões preventivas. Como você vê essa questão?

R. O Moro é muito dinâmico, conhece muito este processo específico, uma vez que ele acompanha o caso e seus desdobramentos desde o início. Isso dá celeridade ao processo, e acho que isso é algo que deve ser aplaudido. Quanto às críticas envolvendo prisões preventivas, a culpa é do STF que não julga os pedidos de liberdade feitos pela defesa. Em última instância, os pedidos de habeas corpus cabem ao Supremo.

O nome de Eliana Calmon chegou a ser ventilado como possível ocupante do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro. O cargo acabou sendo preenchido por Sérgio Moro, que terá a partir de agora, a oportunidade de levar os métodos da Lava Jato para a esfera executiva. Resta saber se Moro e Bolsonaro vão abir a caixa preta do Judiciário. Casos em que ministros concederam habeas corpus a poderosos que se encontram livres até hoje não foram bem digeridos pela maior parte da sociedade.

Mas os Tribunais não foram as únicas instituições que escaparam incólumes da maior investigação sobre corrupção do mundo. Setores do Ministério Público Federal levantaram suspeitas incômodas em acordos de delação que não resultaram em absolutamente nada, exceto na sensação de impunidade por parte da sociedade quanto a alvos para lá de suspeitos. Membros do MPF faturaram alto com negócios com a JBS de Joesley Batista e ninguém foi punido por um dos episódios mais vergonhosos da história da instituição. Alguns envolvidos nos escândalos estão inclusive prestando concursos para juiz, como é o caso de Marcelo Miller, ex-braço direito do então procurador-geral, Rodrigo Janot.

Há outros acordos escandalosos em que a sensação de impunidade prevaleceu, mas que foram esquecidos, como no caso do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, que vive hoje cercado de luxo numa mansão de meio quarteirão no Bairro de Dunas, um dos mais nobres e caros de Fortaleza.

Em outro caso polêmico, além de livrar os filhos e a nora de possíveis punições, o ex-deputado Pedro Corrêa conseguiu ir para casa, após ter sido condenado por dezenas de crimes. Segundo a acusação, Corrêa embolsou 11,7 milhões de reais em propina. O ex-senador do PT, Delcídio do Amaral também passou poucos dias na prisão, assim como os demais envolvidos na operação para investigar a prática de crime de obstrução de Justiça na suposta compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró.

O que é mais curioso neste caso é que Delcídio do Amaral era o líder do PT no Senado e foi o primeiro senador preso no exercício do mandato. Tal situação implica supor que haviam provas robustas para preder o Congressista, que acabou tendo seu mandato cassado pelos colegas. Apesar da contundência da ação e das acusações que pesavam contra os envolvidos, o caso não deu em nada. Delcídio, O ex-presidente Lula, réu na mesma ação, também foi inocentado, assim como o banqueiro André Esteves e outros acusados no processo que apurava a suposta tentativa do ex-presidente de obstruir o andamento da Operação Lava Jato. O MPF havia pedido a absolvição dos acusados e o responsável pelo caso, o juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal em Brasília, entendeu que não havia provas suficientes para condenar ninguém.

O problema é que no Brasil, o "Peguei você" serve muitas vezes apenas para ludibriar a opinião pública.

Fonte: Imprensa Viva

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