Segunda, 08 de dezembro de 2025
Pronto, aí está. O editorial de um dos principais jornais do país afirmou que o País está sob uma ditadura do Supremo. Ok, tendo cuidado com as palavras e pisando em ovos, mas está aí para quem quiser ler. Tem rabo de porco, nariz de porco, pé de porco, só não chamou de porco.
Os ministros dirão que isso é uma rematada bobagem, dado que o próprio editorial é prova de que não há ditadura alguma, a crítica é livre. Verdade, para as vozes não identificadas com a “extrema-direita”. Para estes, a ditadura já mostrou seus instrumentos.
Decorridos os primeiros anos da ditadura militar, apoiada pelos grandes jornais quando se mostrava travestida de “resgate da democracia”, a crítica também era livre. O regime foi se fechando, sempre em nome da proteção dos “ideais da Revolução”, até que a perseguição extrapolou a “extrema-esquerda” e atingiu toda a cidadania brasileira, incluindo os grandes jornais.
Kato Marx afirmou que a história se repete como farsa. E a farsa do Supremo “defensor da democracia” está aí para quem tem olhos de ver.
Marcelo Guterman. Engenheiro de Produção pela Escola Politécnica da USP e mestre em Economia e Finanças pelo Insper.
Leia o texto:
“O SUPREMO ESTÁ COM MEDO
A liminar do ministro Gilmar Mendes que reescreveu o rito de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal marca um divisor de águas. Não se trata de interpretação, mas de mutação, ou melhor, de mutilação constitucional por canetada. Um único ministro eliminou o direito do cidadão de apresentar denúncia, entregou ao procurador-geral da República um monopólio acusatório inexistente na Constituição, elevou o quórum do Senado a patamar impraticável e aboliu o afastamento cautelar do acusado. É difícil imaginar gesto mais despudorado de autoblindagem – e mais contrário ao espírito republicano que o constituinte pretendeu instaurar.
O ministro se justificou dizendo que a Lei do Impeachment, de 1950, está ‘caduca’. Ora, leis não ‘caducam’, a não ser que o legislador resolva mudá-las. A Lei do Impeachment, aliás, atravessou regimes, resistiu a crises e nunca foi considerada incompatível com o Estado de Direito. Tampouco há histórico de perseguição: nunca houve impeachment de ministro na história republicana moderna. Sugerir ‘risco sistêmico’ ou ‘ataque ao Estado de Direito’ é transformar divergência política em ameaça existencial – expediente típico de quem deseja blindar-se contra toda forma de controle. Alterar a Constituição por decisão monocrática não é defendê-la; é contorná-la segundo conveniências momentâneas ao sabor dos humores de quem ocupa a cadeira.
A motivação real não é o temor de um golpe imaginário. É o calendário eleitoral. Em 2026, dois terços do Senado serão renovados. A liminar nasce desse medo. É a primeira vez que uma Suprema Corte afirma, em essência, que precisa se proteger do resultado de uma eleição. Isso não é proteção institucional; é blindagem contra a democracia que implode os freios e contrapesos que impedem que qualquer poder se torne absoluto.
Ao criar um monopólio acusatório do procurador-geral da República – figura escolhida em processo politicamente condicionado e, hoje, dependente do beneplácito dos próprios ministros –, a decisão retira do Senado sua competência privativa e esvazia o princípio republicano da responsabilidade difusa. A Constituição define quem julga, mas não restringe quem acusa. O silêncio é proposital: o impeachment é instrumento político, cuja porta de entrada não pode ser trancafiada por um único ator estatal. Concentrar esse poder num só agente é transformar o controle externo do Judiciário em ficção e reduzir o Senado a um anexo consultivo.
A manobra integra um padrão: decisões monocráticas convertidas em “miniemendas”, inquéritos sem fim, censuras cautelares sigilosas, permissões éticas autoconcedidas, interferências diretas no Congresso. O abuso deixou de ser exceção e virou método. Nenhuma democracia pode sobreviver quando um dos Poderes assume simultaneamente o papel de juiz, parte e guardião de sua própria responsabilização. O País assiste, estarrecido, à construção de um Poder que opera por fora das regras que exige que todos os demais cumpram. Um movimento que ecoa – se não nos métodos, na lógica – o apetite tutelar das Forças Armadas no século 20: uma corporação não eleita (outrora com farda ‘positivista’, agora com toga ‘iluminista’) que se impõe como árbitro supremo da política, altera as regras do jogo e intervém nele à sua conveniência.
A Corte que se comporta descaradamente como corporação política: com narrativa, estratégia e mecanismos de autopreservação. A independência judicial exige garantias; o despotismo judicial exige blindagens. A liminar disfarça o último com a primeira e o apresenta como virtude. Mas não há democracia possível se um Poder se declara imune a toda forma de escrutínio. A mensagem é clara: ninguém nos controla, e qualquer tentativa de fazê-lo será punida como ‘ataque às instituições’.
O Brasil precisa de um Supremo forte, não de um Supremo absoluto. Sem autocontenção, sem limites externos e agora sem canais de responsabilização, a Corte se coloca acima da República. O que está em jogo não é o destino de um ou outro ministro, mas o princípio que sustenta governos livres: o poder que não pode ser controlado não é poder independente, é poder arbitrário.
A liminar não protege o Estado de Direito. Protege o Estado contra o Direito. Não salva a democracia. Desfere-lhe um golpe letal.”


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