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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Dobram pedidos de refúgio de cubanos no Brasil após saída do Mais Médicos

Terça, 22 de Janeiro de 2019 


por Natália Cancian | Folhapress
Foto: Karina Zambrana / ASCOM


Os últimos dois meses têm sido de espera para a cubana Doraisy Perez. Desempregada desde o fim da participação de Cuba no Mais Médicos, ela aguarda notícias de vagas não preenchidas por brasileiros no programa, distribui currículos e aguarda respostas de empresas. "Não queria voltar, nem tinha como enviar todas as minhas coisas de volta para Cuba", diz ela, que em dezembro entrou com pedido de refúgio para tentar obter documentos, como carteira de trabalho.

Entre os motivos da escolha pelo refúgio, estava o receio de perder em breve o visto temporário devido ao fim do contrato e uma sinalização do então presidente eleito, Jair Bolsonaro, que declarou que daria asilo aos profissionais. "Vivemos uma incerteza. O presidente falou que ia dar asilo para todo mundo, mas até agora não manifestou."

Dois meses após o anúncio da saída de Cuba do programa, cubanos que ficaram no Brasil buscam meios de se manter e se regularizar. Levantamento feito pela Folha de S.Paulo a partir de dados do Conare (Comitê Nacional para Refugiados) aponta aumento nos pedidos de refúgio da nacionalidade após o fim da participação no programa.

Em novembro, foram 321 pedidos. Já em dezembro, foram 400, quase o dobro de alguns dos meses anteriores, quando o número de solicitações variou entre 146 até 257 ao mês. Para comparação, nos últimos dois meses de 2017: 135 e 114 pedidos, respectivamente. Questionado, o Conare não informa quanto dos pedidos feitos pelos cubanos são de médicos que atuavam no Mais Médicos. A justificativa é que os casos correm sob sigilo.

Representantes do Ministério da Justiça ouvidos pela reportagem, porém, afirmam que o fim dos contratos é um fator a ser considerado nesse cenário. "O ministério não dá informações sobre casos concretos. Contudo, também não é possível ignorar a realidade fática. É sabido que vários cubanos do Mais Médicos não retornaram e foram tidos como desertores", diz o coordenador do Conare, Bernardo Laferté. "Por isso pode ser possível inferir que esse aumento tenha correlação com o fim do programa, até porque ocorreu na sequência do rompimento do contrato com Cuba."

Atualmente, a lei afirma que podem ser reconhecidos como refugiados pessoas que entendam serem vítimas de fundado temor de perseguição em razão de raça, religião, nacionalidade e opiniões políticas no seu país de origem. O pedido é feito à Polícia Federal, que o encaminha ao Conare. Em média, a espera para resposta leva dois anos. Até lá, o simples protocolo já indica alguma proteção. Com ele, o estrangeiro não pode ser considerado em situação irregular nem ser extraditado. Enquanto isso, pode ter acesso a alguns documentos, como a carteira de trabalho.

Médicos, porém, só podem atuar na profissão se aprovados em exame de revalidação de diploma no Brasil - ainda não há data de quando a próxima prova deve ocorrer. "Muitos nos chamam de traidores. É doloroso ouvir isso de gente do seu próprio país", afirma uma médica cubana que pede para não ser identificada por medo de represálias à família em Cuba.

Segundo ela, a opção por não voltar a Cuba os torna impedidos de entrar no país por oito anos. Um prazo que já era conhecido, diz. O problema são as novas dificuldades enfrentadas nos últimos dois meses. Ainda sem emprego, a médica diz sobreviver com cestas básicas doadas pela prefeitura.

Em grupos de Whatsapp e Telegram, a cubana mantém contato com centenas de outros profissionais. A médica diz que assim como ela, seus compatriotas estão desamparados e sem dinheiro para se manter no Brasil.

Apesar do aumento nos pedidos por refúgio, dados do Conare apontam que tem sido baixa as concessões para cubanos nos últimos anos. Até 2017, 60 cubanos viviam no Brasil refugiados. Em 2018, até outubro, 42 obtiveram o reconhecimento desta situação. Nos últimos oito anos, foram 6.720 pedidos, número que começou a aumentar em 2016, em parte por uma nova rota de cubanos vindos pela Guiana e Roraima.

Laferté, porém, lembra que boa parte pede o refúgio por segurança e fica no país só de passagem, não sendo mais localizado pelas entidades. Em dezembro, dados mostram que o maior número de pedidos não veio de Roraima como em outros meses, mas de São Paulo, o que reforça a possibilidade de que o aumento recente esteja associado a outros fatores, como o fim da parceria no Mais Médicos.

Em alguns casos, segundo os médicos, a solicitação de refúgio tem sido feita com apoio de prefeituras e OABs locais, além de associações críticas ao regime de Cuba.


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