martins em pauta

domingo, 17 de abril de 2016

Prosa do Domingo: Formação de um povo

Por François Silvestre
Na Coluna Plural, do Novo Jornal.

Formação de um povo.

Ao chegarem aqui, os europeus encontraram um povo formado. Esse povo, precariamente denominado indígena, pois imaginavam os “descobridores” que haviam chegado a uma parte da Índia, dividia-se em subgrupos ou tribos.

Nos dois primeiros séculos dessa ocupação, os portugueses e seus desafetos só queriam explorar as riquezas. Dos minerais à madeira. Ambas francas e de fácil expropriação.

As relações do indígena com a natureza davam-se de forma tão natural que nem pareciam relações. Era um processo sem processo. Uma espécie de respiração. Que ocorre indispensavelmente, mas não se nota. Respiração silvícola sem asma.

Gilberto Freire, numa de suas assertivas sobre a participação indígena na formação do “povo” brasileiro, cometeu um equívoco de conclusão após enunciar uma premissa verdadeira.

Qual foi a premissa? Ele disse que, nessa formação, a participação da índia fêmea foi predominante e que a contribuição do índio macho foi originalmente nula.

Verdade. Houve acasalamento, desde o início, da índia com o europeu. Sem que houvesse do índio com a europeia. As europeias não vinham pra cá, nesse início de formação.

A conclusão de Freire: “O europeu vinha de um continente com mulheres pudicamente vestidas e aqui encontraram mulheres índias nuas e índios machos frios”.

Essa conclusão é um monstruoso equívoco antropológico. As roupas das mulheres europeias eram um disfarce, incitante da sensualidade, que se derramava em lascívia na alcova. Nada de pudicícia.

O índio macho não era frio. Era natural, cuja sexualidade dispensava o estímulo da erotização. Tanto é verdade que a população indígena era grandiosa e crescente, em todas as partes do Brasil. Começou a declinar após a chegada dos europeus. Freire informou o fato correto, mas concluiu deformando a causa.

Darcy Ribeiro, de escola mais progressista e menos preso a conclusões ligeiras, bebeu na fonte de Freire, mas reformou conceitos. Otimista sobre o futuro da nossa gente, via com alumbramento o povo que essa mistura viria a formar.

E dizia: A naturalidade do índio, somada à tecnologia do europeu e enriquecida com a espiritualidade do africano levará à formação da mais exuberante raça mestiça da humanidade.

Esse era o futuro da nossa formação, no olhar de um pensador orgulhoso da sua gente. Do português; vinham latinos, suevos, celtas, árabes, mouros, judeus, godos, visigodos. Depois, os imigrantes. Alemães, italianos, japoneses e outros. Do indígena; tupis, nuaruaques, marajoaras, caetés, tupinambás, aimorés, carijós. Do africano; haussás, bantos, moçambicanos.

Fornalha de mestiçagem ímpar. Mas ainda não é um povo. Um pré-povo em processo de formação.

Não se forma um povo em três séculos, que é o tempo de início da nossa formação. Aos trancos e barrancos ainda ardemos no forno dessa feitura. Té mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contato : (84) 9 9151-0643

Contato : (84) 9 9151-0643