domingo, 10 de maio de 2015

Prosa do Domingo: (Enquanto o JH sumiu das bancas e está atualizado na Internet, o NJ está nas bancas e desatualizado nos computadores. Vá entender Natal.)

Domingo, 10 de maio de 2015 

 por François Silvestre 


Na Coluna Plural, do Novo Jornal. 


Viola contra o embuste.

Estamos na feira,/ o poeta afina a viola./ Passa por perto a carola/ beata invicta de amor./ Torce a cara: “sou moralista”,/ diz coçando a virilha,/ usada só do coçado./ E quase correndo se manda,/ ouvindo o riso escrachado,/ do bêbado esperto e seboso/ que foi seu amor do passado./

A viola geme dolente/ lembrando o verso sofrido/ que pinta de chumbo o nascente./ Será que chove pra gente?/

Depois que a carola se foi,/ deixando cheiro de sebo,/ e o gaiato mancebo/ cantando farol do que fez,/ a praça se pôs a ouvir/ a viola e o poeta da vez./

Na praça, um pregador/ disputa plateia aos gritos./ Promete lotes no céu/ acende a fogueira do inferno/ com olho ameaçador./ Porém, não tira os olhos/ da bacia do cantador./

Aí chega um vereador/ amigo do povo da praça./ Aperta a mão e abraça/ até de quem nunca viu./ Amigo de todos, beija crianças/ acena ao pastor, de quem foge apressado/ e para postado,/ de olho vidrado na bacia do cantador./

O cantador colhe versos/ como colhia algodão,/ nos tempos da mocidade./ Nas quebradas do sertão,/ numa capoeira vasta de seu Luiz de Antão./

Depois, o inverno se foi./ E só ficou o inferno,/ que assusta e vende medo/ pra burra do pregador./ “Isso é coisa do satã”,/ diz apontando com a Bíblia/ pros lados do cantador.

“Guarde o seu livro preto/ no seu paletó mal lavado,/ porque o meu verso sujo/ espanta o medo inventado”./ Rebate de lá o poeta;/ sem ira, com rima, pausado./

Passa na praça o vigário,/ senhor da paróquia./ Olha de lado/ feito sem ver/ escondido de ouvir./ E ouve sem querer/ o dizer do poeta:/ “No altar das imagens/ se esconde o andor,/ nas chagas expostas/ há sangue e louvor”./

Ninguém entendeu o tocar da viola,/ do padre que passa,/ do pregador de pecados,/ do fuxico da feira./ Estão todos na venda,/ de olhos vendados./

Só não se vende o poeta./ Aquele. Que outros se vendem,/ diferente daquele,/ cujos versos sem rumo/ o mercado dispensa./

Voltemos à Praça;/ ao som da viola/ que toca estridente,/ com versos dolentes,/ das cordas nos dedos,/ ele faz o repente:/ “Quando o sol se agasalha/ avermelhando o Poente/ e as nuvens cor de chumbo/ se espalham no Nascente,/ eu penso na minha vida,/ mesmo sem estar doente./ É que o fim do dia parece/ o fim da vida da gente”.

Passam todos os venais./ Os de todos os matizes./ Das cores, dores, poder./ Da fossa./ Colheita dos votos pagos,/ com custo da grana nossa./

Homenagem ao poeta: Seu nome era João Menezes,/poeta cá do sertão./ Na enxada, por quatro meses;/ se caía água no chão./ Depois, pegava a viola/ que dormia na sacola,/ afinava da prima ao bordão./ Saía pra cantar na rua/ levando a viola nua/ pra se banhar de canção./ Feito pinto que sai do ovo/ emprestava versos ao povo/ na feira do gavião./ Té mais.



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