Domingo, 234 de maio de 2015
Por François Silvestre

Ainda criança, eu ouvira falar de Manoel Varela. Esse sobrenome punha sonoridade na memória auditiva.
Meados dos anos Cinquenta, ao aproximar-se a campanha para o Governo do Estado, cuja disputa se deu entre Dinarte Mariz e Jocelyn Vilar, ainda se falava da campanha anterior, de 1950, disputada por Dix-Sept Rosado contra Manoel Varela.
A minha família era militante do PSD. Portanto, Dix-Sept fora o candidato dos meus parentes. E sua morte, segundo me contavam, gerou uma espécie de acabrunhamento na região.
Um tipo de frustração coletiva. Pois todos esperavam um grande governo do líder mossoroense e nada conheciam do seu sucessor, o doutor Sylvio Pedroza.
Em 1950 eu tinha três anos; não tenho desses fatos memória contemporânea, mas de informação posterior. Ouvia marchinhas da campanha “longínqua”.
Uma delas, sátira dos adversários do PSD, dizia mais ou menos assim, dando “informação” a Manoel Varela: “Rita de Manoel Jacinto/ anda pra lá e pra cá./ Com os beiços bem pintados/ vive de brinco e colar./ E já tá de canela fina,/ Manoel Varela,/ de lamber os pratos de Zé de Alencar./
Enquanto na casa dos meus Dix-Sept Rosado era o herói, eu começava a exercitar minha vocação do contra. Achava o nome Varela um achado sonoro. Certa vez disse isso ao amigo Roberto Varela, em Nascença, num porre com Odilon Ribeiro Coutinho.
Com a chegada de Eider Varela a Martins, numa campanha diferente, onde vi pela primeira vez o cinema, projetado na parede de um cartório, acometi-me de alumbramento. E o nome Varela, com aquelas fotografias se mexendo, fixou-se mais ainda.
Passa o tempo e venho conhecer Manoel Varela na faculdade de Direito. Meu professor de Economia Política. Exigente, seco, distante; sua nota máxima era seis. Advogado exímio, honesto e respeitado.
Fora comunista, na mocidade. Agora, era anticomunista radical.
Nas Quartas-Feiras, ele fazia arguição. Com a caderneta de chamada quase encostando no rosto, dizia o sobrenome do escolhido; depois chamava pelo nome completo.
Naquele dia, foi assim. “Senhor Trindade, Leonardo Trindade Cavalcanti”. Leonardo abriu os braços e respondeu: “Estou aqui”. E ele: “Basta dizer presente”.
Manoel Varela: “Senhor Trindade, o que é mercado”? Leonardo: “Mercado seria”… E ele, interrompendo: “Não meu filho, mercado é”… Leonardo: “Tudo bem. Mercado é o âmbito de atuação do comércio”. E ele: “Não, meu filho; não me venha com asneira marxista. Mercado é o lugar onde se fazem as trocas”.
Eu fui me meter. “Professor, eu acho”… Não consegui terminar, ele interrompeu: “Você não acha nada, meu filho. A hora de dizer besteira é do seu colega. Quando chegar sua vez, você diz sua besteira”.
Depois, ele aposentado, convivemos na advocacia. Descobri um homem cacto. Ríspido na casca, suave e macio no miolo.
Té mais.
François Silvestre é escritor
* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.
Fonte: Carlos Santos
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