terça-feira, 9 de setembro de 2014

Pré-natal preocupa mais que fome

09 de setembro de 2014

A fome já não é a principal causa de doenças que potencializavam a mortalidade infantil no Brasil. O que está acendendo o alerta nos órgãos responsáveis pelo acompanhamento das metas do milênio são as mortes relacionadas ao atendimento das mulheres durante a gestação e a assistência na hora do parto. Essa foi a tônica de palestras e dicas passadas pelos coordenadores do Selo Unicef aos participantes do 3º ciclo de capacitação, que está sendo realizado na Escola de Governo, no Centro Administrativo, com a presença de representantes dos municípios do Rio Grande do Norte que assumiram o compromisso de melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes.

DivulgaçãoMédica pediatra Tati Andrade lembra que 60% das mortes de crianças no Brasil ocorrem antes do primeiro mês de vida


Mesmo em municípios onde a maioria da população ainda não conseguiu ultrapassar a linha da pobreza, os indicadores são considerados bons. É o caso de João Dias, a cidade mais pobre do RN. Lá, apenas 0,3% das crianças com menos de dois anos de idade estavam desnutridas quando a aferição foi feita, em 2013. Em Natal, a taxa de desnutridos era de 1,2%; em Parnamirim e Mossoró 0,9%; em Caicó 0,7%; em Lajes 0,4%; em Santa Cruz 0,5%.


Por isso, o foco agora está concentrado nas gestantes. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) considera ideal a realização de, pelo menos, sete exames durante a gestação, coisa difícil de ocorrer em virtude de um problema que parece não ter solução: a gravidez na adolescência. De acordo com dados do Ministério da Saúde, 17,7% das mulheres de Natal que foram mães em 2012 tinham menos de 20 anos de idade. Em Parnamirim 15,7%, em Santa Cruz 25%. No RN, 20,7%.

O Unicef divide a mortalidade infantil em duas classificações: a neonatal e a pós-neonatal. A “pós” ocorre quando a criança, que já deixou de ser amamentada, começa a engatinhar, ficando mais vulnerável a doenças como meningites e a acidentes. “Essas complicações podem ser reduzidas de forma mais simples, com baixo custo, pela equipe do PSF [Saúde da Família] do município”, diz a pediatra Tati Andrade, gestora de programas do Unicef para o Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. 

O combate à mortalidade neonatal, segundo Tati, é mais difícil, porque necessita de pessoal especializado e recursos tecnológicos mais sofisticados. “Se fizer um pré-natal, com sete consultas, consultas de qualidade, com pesagem, exames, ferro, vitaminas, é possível reduzir a mortalidade”, explica. Para ela, uma gestante com infecção urinária que não é tratada tende a ter parto prematuro e a criança termina morrendo. “São coisas deste tipo que estamos propondo no manual de dicas.”

Segundo ela, 60% das mortes de crianças com menos de um ano ocorrem antes de o bebê completar um mês de vida. Os outros 40% são decorrentes de infecções e acidentes domésticos – quedas, afogamentos etc.

Tati lembra que o combate à fome e à desnutrição infantil “melhorou bastante” nos últimos anos com a implantação dos programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família, Brasil Carinhoso, e a política de melhoria do poder aquisitivo do salário mínimo. “O sarampo era uma das principais causas de desnutrição. As crianças pegavam sarampo, adoeciam e morriam. Hoje isso é raro. Estamos passando pela fase de muitas crianças com obesidade, principalmente nas áreas urbanas e isso terá reflexo na adolescência e na vida adulta.”

A mortalidade de crianças com até 5 anos de idade caiu 50% no Rio Grande do Norte. De 32 óbitos para cada grupo de mil nascidas vivas em 1995, para 16 em 2012.

Bate-papo - Tati Andrade
Gestora de programas do Unicef 

Proteger as crianças das drogas é um problema de toda a comunidade

Um problema que está preocupando os participantes do Selo Unicef é o das drogas. Até que ponto isso é apenas um drama familiar?
Esse é um grande desafio a resolver. Você vai estudar a questão das drogas e pensa: foi falta de acompanhamento dos pais, por falta de fé, falta de educação, de perspectiva daquela família. Mas você tem, às vezes, famílias em que não falta educação, tem boas condições econômicas, dá atenção e um adolescente acaba se envolvendo com drogas. Há razões pessoais, emocionais que levam a isso. O certo é que devemos assegurar os direitos básicos das crianças e adolescentes, garantir o acompanhamento da família e da comunidade. Às vezes uma mulher tem três, quatros filhos sem companheiro em casa. Essa mulher precisa trabalhar. Então as crianças ficam em casa por conta de outras pessoas ou nas ruas. Se elas tiverem envolvimento com drogas vai ter problema para a comunidade inteira. O que estamos propondo é, realmente, um trabalho de proteção dessa criança por toda a comunidade, uma rede comunitária de proteção. Lembrando: uma mãe, que muitas vezes cria o filho sozinha, ela não é culpada se o filho ou a filha abusar de droga se ela não tiver o apoio da comunidade. Se houver apoio, claro que teremos uma situação melhor.

O Ideb foi mesmo um balde de água fria, igual àquela campanha para incentivar pesquisas sobre a esclerose lateral amiotrófica?
Ainda estamos avaliando. Os municípios vinham melhorando. Minha área não é educação. Não sei dizer por que não alcançaram a meta. Mas é um alerta para que a gente possa acordar. Como trabalho com saúde, estou sempre propondo que a Educação faça trabalho de educação sexual, de prevenção da gravidez, mas a equipe que lida com a Educação está sempre dizendo: precisamos cuidar de português e de matemática porque chegam muitos temas transversais e a escola não pode perder o foco dela. Mas precisamos trabalhar os conteúdos curriculares regulares e abrir espaço para os temas transversais.







Fonte: Tribuna do Norte

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