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sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Florestas como as do Brasil têm mais animais vulneráveis à ação humana

Sexta, 06 de Dezembro de 2019

por Reinaldo José Lopes | Folhapress
Foto: Reprodução / Amazonas Natural

As florestas menos afetadas por desastres naturais e pela ação humana ao longo de milênios de evolução podem ter se transformado, paradoxalmente, nas que mais concentram espécies vulneráveis à destruição atual. Tais florestas se concentram nos trópicos e incluem a mata atlântica e a Amazônia, afirma um novo estudo.

A lógica cruel por trás dos achados, descritos na última edição da revista especializada Science por uma equipe internacional de cientistas com participação de diversos brasileiros, tem a ver com o conceito de "filtros de extinção".

Segundo essa hipótese, espécies expostas a ameaças severas durante seu passado evolutivo acabariam se tornando menos suscetíveis a sucumbir diante de novos desafios, como a perda de habitat — portanto, já teriam passado por um "filtro de extinção" e sobrevivido. Por outro lado, os animais e as plantas que sempre viveram em ambientes muito estáveis ficariam relativamente indefesos com a chegada súbita e intensa de tais ameaças.

O grupo responsável pelo estudo, que inclui pesquisadores como a bióloga brasileira Cristina Banks-Leite, do Imperial College de Londres, testou essa hipótese analisando um banco de dados com informações sobre 4.489 espécies de animais do mundo todo, incluindo artrópodes (grupo que inclui os insetos), aves e mamíferos, entre outros.

Eles cruzaram as informações sobre a distribuição geográfica dos bichos com dados a respeito da incidência de tempestades severas (como os furacões do Caribe), presença de geleiras, grandes incêndios naturais e casos históricos de desmatamento em grande escala (com perda de mais de 50% da cobertura vegetal).

Outro fator crucial levado em conta pela equipe é a fragmentação florestal e a relação de cada espécie com essa variável. Como o nome sugere, habitats muito fragmentados são os que foram devastados de tal modo que sobraram apenas pedaços isolados e relativamente pequenos de floresta, em geral cercados pelo que os ecólogos chamam de "matriz" (em geral, áreas agrícolas ou, em certos casos, urbanas).

Nessas condições, algumas espécies mais versáteis podem se dar bem, conseguindo "pular" de um fragmento de floresta para outro atravessando a matriz ou mesmo se adaptando à vida nela. Outras espécies, porém, precisam de áreas grandes de mata contínua para se manter e não se dão bem nos fragmentos que sobraram, além de não conseguir atravessar a matriz.

Ocorre que, ao cruzar os dados sobre distribuição geográfica dos animais e as ameaças de longo prazo em cada ambiente com o tipo de habitat das espécies, um padrão apareceu de modo relativamente claro. Nas regiões do planeta com alto grau de perturbação por fatores naturais e ação humana, predominam espécies versáteis, que se viram bem tanto no coração da floresta quando na borda de fragmentos florestais ou mesmo na matriz.

Em tais regiões, as espécies que dependem exclusivamente de um núcleo intacto de mata são 80% menos comuns. Já nas regiões da Terra relativamente pouco perturbadas ao longo da história, 51,3% das espécies tendem a evitar bordas de fragmentos ou a matriz, sendo encontradas preferencialmente nas partes mais profundas da mata.

Ou seja, os dados sugerem que há um predomínio de tais espécies "exigentes" nas florestas que, ao longo de sua história evolutiva, parecem ter sofrido menos perturbações. Tais animais teriam, portanto, mais dificuldade de se adaptar a ambientes mais degradados e fragmentados pela ação humana, que se concentram em regiões tropicais das Américas, da África e do Sudeste Asiático - justamente as mais visadas pelo ímpeto dos desmatadores nas últimas décadas.

A notícia talvez seja especialmente ruim para a mata atlântica brasileira. A maior parte do que restou do bioma - menos de 30% de sua cobertura original - está restrito a fragmentos florestais pequenos, com menos de 10 hectares. Para evitar uma erosão rápida da biodiversidade desse e de outros biomas, será preciso investir em corredores ecológicos que conectem os fragmentos entre si, por exemplo.

Entre os autores brasileiros do estudo também estão pesquisadores da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), da Universidade Federal de Lavras (MG) e da Universidade Estadual de Santa Cruz (BA), além de outras instituições.

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